Folha de S. Paulo


Lourenço Rebetez compõe jazz para até 13 instrumentistas em primeiro CD

"O Corpo de Dentro" é singular. Álbum de estreia do guitarrista e compositor paulistano Lourenço Rebetez, 30, soa diferente de qualquer projeto musical brasileiro dos últimos anos. Diferente, neste caso, quer dizer ambicioso, ousado e envolvente.

Explicando: quando um músico compõe, quase sempre escreve uma linha melódica para ser tocada em um instrumento. Por exemplo, piano ou violão. Depois, ele -ou outra pessoa- faz o arranjo, acrescentando percussão, sopros, coro etc. É como colocar penduricalhos em uma estrutura já existente.

Lourenço Rebetez faz diferente. Ele compõe tudo ao mesmo tempo. A música já é criada para ser tocada com guitarra, piano, baixo, bateria, sopros (sax, trombone, trompete etc.) e percussão.

Em entrevista à Folha, ele lembra o período em que estudou música em Berklee, em Boston (EUA), onde se formou em composição de jazz. Fala de um professor que pegava uma partitura de Duke Ellington (1899-1974) e queria que os alunos respondessem se aquilo era arranjo ou composição.

"Eu nunca tinha me perguntado isso. Aí entendi o que ele chamava de composição. Não é um tema, apenas melodia e acordes que depois você orquestra. Isso é legal também, tem gente que faz muito bem, mas há outro jeito de compor que você não tem como reduzir a só uma linha melódica. A orquestração faz parte da música."

ORQUESTRA

Há uma densidade nas dez faixas de "O Corpo de Dentro". Um disco de jazz instrumental no qual novos detalhes vão aparecendo a cada audição. Uma música como "Birjand", por exemplo, foi gravada por 13 instrumentistas, uma pequena orquestra com todo mundo efetivamente tocando de forma plena. Nada ali é decorativo.

"Esse procedimento de composição contribui para isso, ter essa densidade, não se esgotar na primeira audição", diz Rebetez. "Outras pessoas compõem dessa maneira, não sou só eu. Me inspiro nelas. Nada de gravar a base e depois dizer para o percussionista 'preenche aí', sabe?"

Playlist

Entre essas inspirações está o maestro e arranjador brasileiro Moacir Santos (1926-2006). "Sabe essas pessoas que falam de algo transcendental quando escutaram João Gilberto? Tenho isso com Moacir Santos, lembro exatamente onde estava na primeira vez em que ouvi, na casa de um amigo."

Santos fez Rebetez se interessar pela composição para sopros. "Eu me aproximei de uma música brasileira que não era samba ou baião, essas coisas que a gente tem incorporadas à MPB."

CEREBRAL

"O Corpo de Dentro" é intrincado, há um aspecto cerebral evidente nas músicas. "Tem pessoas que são intuitivamente grandes compositores de canções, mas arranjo de orquestração é difícil. Não tem jeito, você tem de estudar", diz o músico.

"Eu me tornei músico para poder estudar todo dia. Se tivesse uma outra profissão teria menos tempo para isso."

Ele toca desde adolescente. Chegou a cursar dois anos de história na USP, mas já tocava na noite. Em Berklee, para muitos a mais prestigiosa escola de música no planeta, ele se viu com gente do mundo inteiro, "todos muito sérios". Por lá ele encontrou outras grandes influências, como o pianista canadense Gil Evans (1912-1988) e a compositora e "bandleader" americana Maria Schneider, 55, que também misturam composições com arranjos.

Rebetez diz que a música erudita também contribuiu para seu processo, mas o jazz foi a atração mais forte. "O jazz tem esse nível de seriedade, essa dedicação dos músicos que é uma devoção. John Coltrane começou muito com isso. Todo mundo fala que ele voltava de um show e ia estudar durante horas."

Quando voltou ao Brasil, em 2009, Rebetez fez uma temporada no Centro Cultural Rio Verde, em São Paulo. Algumas músicas do disco foram escritas nessa época. Outras, no entanto, foram terminadas já no estúdio. As gravações, feitas neste ano com produção do americano Arto Lindsay, duraram só dez dias.

PERSONALIDADE

"Primeiro disco tem isso de você acumular coisas de vários anos, e meu caso foi assim. O tempo foi passando e fui ganhando coragem para fazer um disco com personalidade. Acho que consegui, tenha saído bom ou ruim."

Ele e Arto já tinham se cruzado em casas de amigos. Produtor "quase brasileiro" de Marisa Monte e Caetano Veloso, ele foi, segundo Rebetez, "um comparsa".

"Tem várias decisões que precisam ser tomadas num estúdio que a gente tomava junto. Desde escolher o microfone para cada instrumento até a logística de gravação de uma banda tão grande. Ele me ajudou a ter confiança nas ideias que eu já tinha."

Rebetez quer fazer um show de lançamento com a formação completa: três percussionistas, seis sopros, trio de jazz e ele. Marcou para o dia 20 de agosto, em São Paulo, no Itaú Cultural. "É um show que não dá para tocar toda semana, viajar com tanta gente. Não tem muita pirotecnia, mas, definitivamente, será com banda grande."

O CORPO DE DENTRO
ARTISTA Lourenço Rebetez
LANÇAMENTO independente
QUANTO R$ 29,90 (CD)


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