Folha de S. Paulo


Repórter-fã faz breve biografia do norueguês Karl Ove Knausgård na Flip

Bruno Poletti/Folhapress
RIO DE JANEIRO, PARATY, 01.07.2016: Karl Ove Knausgard, escritor após a mesa de debate FLIP Em Paraty - RJ. (Foto: Bruno Poletti/Folhapress, FSP-MONICA BERGAMO) ***EXCLUSIVO FOLHA***
O escritor Karl Ove Knausgård após debater em mesa da Flip

"Não fico mais nervoso, não tomo remédios. Só café", disse-me o escritor norueguês Karl Ove Knausgård, 20 minutos antes de entrar na tenda dos autores, na Flip, em Paraty. "E cigarros", eu observei, apontando para aquele que tragava. Ele riu. "Coffee and cigarettes, yes."

Karl Ove Knausgård (pronuncia-se karl úvê –o "u" como o "u" francês– qui-naus-gord), 47, tomou uma média de quatro cafés por dia, isso na pousada. Ele é autor de uma série de seis volumes sobre sua vida ("Minha Luta"), um best-seller mundial com detalhes minuciosos de seu cotidiano –um jantar pode durar páginas e páginas. Na Flip, multidões foram vê-lo, e fãs o abordavam para tirar fotos. Um até levou um bonequinho de biscuit do ídolo.

Eu, como repórter-fã, quase surrupiei o isqueiro amarelo que ele esqueceu numa mesinha, mas faltou coragem. Um camareiro apareceu e levou o acendedor e o maço de Lucky Strike. Deixou para trás um copinho de cachaça: mas não era cachaça, era água com gás, eu experimentei. Knausgård não.

Naquela sexta (1º) em que ele falaria na tenda dos autores da Flip, caminhamos juntos da pousada até lá. Sua altura chamava a atenção e ele me contava, num inglês com sotaque escandinavo, sobre o artista alemão Anselm Kiefer.

Na hora que antecedeu sua mesa na Flip, Knausgård fumou quatro cigarros. Às 17h15, vestindo um terno caramelo, sentou-se com o mediador Ángel Gurría-Quintana em frente à plateia. Os dois haviam almoçado juntos naquele dia.

Mas não havia sido seu primeiro encontro. No dia anterior, Gurría-Quintana foi cedo correr, voltou para a pousada às 7h30 e deu de cara com Knausgård fumando na rua, de bermuda e all-star. O mediador se apresentou rapidamente, constrangido por conhecê-lo daquela maneira, suado e ofegante.

Enquanto o norueguês falava, seu filho, John, 8, estava com uma babá sueca que mora em Paraty há dois anos e meio e que foi escalada de última hora para a função.

Ela tem 23 anos e nunca leu nada do autor norueguês. Foi a mãe quem lhe disse, por telefone, que ele era importante. E então, durante três dias, ela saiu com John para passear: comeram pizza margherita duas vezes ("John disse que era a melhor que já havia comido na vida"), sorvetes (chocolate, pistache e chiclete) e jogaram xadrez ("a primeira vez ele ganhou de verdade; na segunda, deixei ele ganhar"). John falava orgulhoso sobre o peixe que havia pescado em Paraty –ele e o pai saíram pelo menos duas vezes de barco. Knausgård disse ter amado os passeios.

Mas o autor, diz a babá, não fez questão de saber quem ela era. "Ele nem lembra meu nome, não sabe minha idade ou quem eu sou. Achei um pouco estranho", diz.

MELANCÓLICO

O jornalista Misha Glenny, sua mulher, o neurocirurgião Henry Marsh e Knausgård sentaram-se na mesa seis dO Caminho do Ouro às 19h30 de sábado (2).

Era o mesmo número da mesa na qual o norueguês e filho haviam almoçado na quinta (30), mas em outro restaurante, à beira-rio. Na ocasião, comeram camarão grelhado (o pai) e filé mignon com fritas (o filho), e tomaram cerveja (o pai) e Coca-Cola (o filho), além de uma taça de sorvete de creme (adivinhe).

Mas no sábado, Knausgård pediu palmito pupunha grelhado com pesto de manjericão e amêndoas, jantou caldo de peixe desfiado (R$ 38, e o peixe era robalo) e elogiou a comida. Beberam duas garrafas do vinho branco chileno Leon Tarapacá (sauvignon blanc, não chardonnay).

Os quatro conversavam sobre insegurança quando uma fã pediu o autógrafo de Marsh e Knausgård. "Que engraçado! Quando falávamos sobre nossas inseguranças, alguém vem e nos pede um autógrafo", observou Marsh. "Poxa, valeu, Henry, ninguém pediu o meu", disse Glenny. Todos riram.

Às 21h37, Knausgård saiu para a rua, deu três tragos em um cigarro e voltou para o restaurante. Sobremesa: creme de manga com coco.

"Knausgård é polido, mas muito quieto e reservado. Você sente que ele está refletindo sobre as coisas o tempo inteiro", afirma Glenny. "Só escutando, em silêncio, de modo melancólico. Se ele está entediado ou não, não sei."

No dia seguinte, Knausgård elegeu "Ulisses", de James Joyce, para ler em voz alta na tenda dos autores, miando como um gato ao ler um trecho em que Leopold Bloom interage com o seu.

Às 16h, de volta à pousada, assistiu ao primeiro tempo do jogo entre Islândia e França no quarto (número 25) com o filho. Ficou furioso com o terceiro gol da França e saiu para fumar na área externa.

"Mesmo se perderem, eles já ganharam", sentenciou já na sala de TV da pousada, satisfeito pelo time ter chegado às quartas. Ficou feliz quando o jogo acabou e a Islândia comemorou com gritos vikings. Saiu, sentou-se em frente à piscina e acendeu mais um cigarro.


Endereço da página:

Links no texto: