Folha de S. Paulo


CRÔNICA

Elitização da Flip prejudica Paraty

Há muito não se via uma Flip tão esvaziada. Pousadas tinham vagas sobrando e não foi difícil conseguir mesas em restaurantes. Se para o turista que veio à Flip 2016 a experiência pode ter sido agradável, para o comércio de Paraty foi uma tragédia. De vendedores de água de coco a donos das pousadas mais chiques, todos reclamaram muito.

Há vários fatores que ajudam a explicar o esvaziamento: a crise econômica, os preços extorsivos cobrados por pousadas e restaurantes em edições recentes, e problemas crônicos do turismo local (um deles, a falta de acessibilidade para cadeirantes, muitíssimo bem descrito pelo jornalista Jairo Marques em coluna publicada no sábado, 2/7).

Mas como explicar o sucesso do Bourbon, um festival de jazz e blues ocorrido em maio? Isso mostra que a programação da Flip simplesmente não agradou ao público em geral.

Embora o evento contasse com nomes importantes, como a bielorrussa Svetlana Aleksiévitch, o norueguês Karl Ove Knausgård e o escocês Irvine Welsh, não havia um escritor mais popular, capaz de atrair um público mais amplo. Quase não há espaço para as literaturas policial, fantástica e de terror e, consequentemente, há poucos jovens na plateia.

Ninguém está dizendo que a Flip precisa baixar o nível de qualidade dos convidados ou chamar celebridades para atrair multidões, mas o evento precisa entender que tem uma responsabilidade com a cidade e que programações excludentes e elitistas prejudicam a economia local, que sempre dependeu muito do evento.

Só para fazer uma analogia literária, pode-se dizer que a organização da Flip habita o universo da ficção, um mundinho irreal de coquetéis e tapinhas nas costas, enquanto Paraty vive a não ficção, em que decisões erradas têm consequências reais, como fechamento de pousadas e demissões de funcionários.


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