Folha de S. Paulo


Pesquisadoras debatem o animalesco no homem e a humanidade dos bichos

Keiny Andrade/Folhapress
Paraty, RJ, 02.07.2016 - FLIP 2016 ILUSTRADA - Mesa 17 - O Falcao e a Fenix, com Helen MacDonald e Maria Esther Maciel. FOTO: Keiny Andrade/Folhapress
A pesquisadora Helen Macdolnald exibe seu livro "H is for Hawk" ("F de Falcão") durante debate na Flip

Polvo Paul, o profeta em forma de molusco que acertou resultados de jogos na Copa do Mundo de 2010 –e morreu ainda naquele ano– foi ressuscitado na noite de sábado (2), durante a 14ª Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).

"Veja o polvo Paul. Os animais compreendem as coisas", comentou Maria Esther Maciel, professora de literatura da Universidade Federal de Minas Gerais que estuda a representação dos bichos em obras literárias.

Ela dividia a mesa "O falcão e a fênix" com Helen Macdonald, pesquisadora de história da ciência da Universidade de Cambridge.

Baseada em seus estudos, Maciel garantiu que "os animais têm os seus saberes sobre o mundo". "Cabe aos poetas, aos escritores capturar essa subjetividade deles e traduzir isso em palavras."

Clarice Lispector, segundo Maciel, tentou essa tradução ao dar ao cão Ulisses o papel de narrador na obra "Quase de Verdade". "O cachorro latiu a narrativa a Clarice, que transcreveu", disse.

Ela acredita haver várias linguagens animais, mas que se furtam à definição precisa do homem. Para sua obra mais recente, "Literatura e Animalidade" (Civilização Brasileira), contou com a cumplicidade de Lalinha, sua cachorra, com quem "a comunicação se dava pela troca de olhares" e que "ensinou muito sobre minha própria animalidade", afirma.

Macdonald conhece os animais de maneira mais íntima. Acreditou que estava prestes a se tornar um, afirmou à Folha. No livro "F de Falcão" (Intrínseca), recentemente lançado no Brasil, ela narra como buscou superar a dor da perda do pai, morto subitamente em 2007, ao lado de Mabel, uma fêmea de açor –a mais temida espécie de falcão.

"Eu percebi que, como eu não conseguia domesticar o luto, tentava domesticar um falcão", disse. Para isso, retomou a falcoaria, prática de sua infância que, segundo ela, "tem 5.000 anos de história".

Maciel explicou que a exclusão da animalidade do homem ocorreu na Idade Média, quando a religião relacionou-a à sexualidade e à loucura. "Passou a ser o lado maldito e, por isso, alijado da humanidade", disse. "E todo o conceito de sociedade se construiu em cima disso."

O "penso, logo existo" cunhado pelo filósofo francês René Descartes segregou ainda mais homem e bicho. "O triunfo da razão expulsou o animal, que ficou associado à irracionalidade", comentou Maciel. "E na época vitoriana, a animalidade foi explorada na forma de monstros: vampiros, lobisomens..."


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