Folha de S. Paulo


'Ana C. não é contracultura, é supercultura', diz o poeta Chacal

Odair Faléco/Divulgação
Poeta Chacal lança a coletânea
Poeta Chacal lança a coletânea "Tudo (e mais um pouco) – Poesia reunida" (Editora 34)

Chacal e Ana C., ambos poetas cariocas, são conhecidos pela categoria da "poesia marginal", termo popularizado por Heloisa Buarque de Hollanda. Para Chacal, porém, nem ele nem Ana merecem essa denominação.

"Ana C. não é contracultura, é supercultura. O que nos unia era lutar contra um sistema conservador, mas ela brigou de dentro da academia, de dentro da imprensa", afirma o poeta em entrevista à Folha na Flip desse ano —evento cuja homenageada é Ana Cristina César (1952 - 1983).

O perfil de Ana é inegavelmente acadêmico. Formada em letras na PUC (Pontifícia Universidade Católica), a escritora trabalhou como tradutora em Londres. Fez dois mestrados, um na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e outro na Universidade de Essex, na Inglaterra.

Já Chacal, 65, estudou comunicação social, assim como Charles Peixoto, Bernardo Vilhena e Ronaldo Bastos, amigos com quem compôs o grupo Nuvem Cigana nos anos 1970. "A gente não tinha esse amor pelo livro do pessoal da letras. Eu não queria ser Drummond, Bandeira. Queria ser Mick Jagger, Bob Dylan, Caetano, Gil, Chico."

A visão dos acadêmicos sobre poesia, para ele, é "grafocêntrica" (centrada na escrita). Já com seus poemas, apresentados oralmente, ele se associou aos "happenings" e performances artísticas subversivas dos anos 1960 e 1970. "É o movimento das drogas, dos poetas beats, do rock and roll. Era algo mais do corpo e dos sentidos", afirma.

Chacal acredita que a homenagem da Flip seja merecida, no entanto. "[Ana C.] é uma ótima poeta, tem humor. Trouxe um oxigênio para a poesia brasileira muito grande."

As diferenças, por maiores que fossem, não eram relevantes quando os artistas compartilhavam um inimigo comum, a ditadura militar. "Não chegava a criar um cisma. O nosso cisma era com a poesia concreta", pondera. "Os concretistas definiram unilateralmente a morte do verso, disso a gente discordava."

Se Chacal não permite que Ana seja chamada de marginal, nem ele mesmo toma a denominação para si. "Isso é coisa do mercado e da academia, que gostam de classificar para ajudar a vender. Não quero carregar essa cruz de 'poeta marginal', quero ser poeta."

DUPLAMENTE CHATEADO

O poeta está lançando agora, em julho, a coletânea "Tudo (e mais um pouco) - Poesia reunida", pela Editora 34. O livro traz poemas de 1971 a 2016.

À reportagem, ele se queixa por não ter sido chamado para discutir a classificação que une ele e Ana C. em alguma mesa da Flip.

"Se é pra ser poeta marginal, vamos discutir isso, que é o que faltou aqui na Flip. Acho que eu podia ter sido convidado. Como eu estou lançando um livro, fiquei duplamente chateado", diz o carioca.

*

Leia abaixo trecho inédito de "Tudo (e mais um pouco) - Poesia reunida", da Editora 34:

fronteiriço, borderline, mestiço, mameluco,
caboclo, mulato, marginal, ali onde tudo se
elabora, antes do nome ou da classe. furta-cor,
na penumbra, seu madruga, ainda e sempre
inconcluso, vou.

mi quei
mim quem
nin guém

(ando assustado. estou cada vez mais parecido
com o arnaldo antunes).
seu madruga ouve e diz: — sai de mim, invasor!
liberta-me de ti!


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