Folha de S. Paulo


Poeta Leonardo Fróes sai da toca para falar na Flip de sua poesia verde

"É aqui que a mágica acontece", diz o poeta e tradutor Leonardo Fróes, 75, ao descer do carro, animado, e entrar em um casebre cercado por mato em Secretário, na região rural da serra fluminense.

Fróes fugiu de uma vida badalada no Rio na década de 1970, e passou a viver nessa casa, que batizou de "Petiterra", entre pés de graviola, fruta-pão, manga, banana, jabuticaba, lichia, pitanga, laranja, jambo. Além de sua mulher, Regina, lhe fazem companhia diária gambás, capivaras, ouriços, cachorros do mato.

Ficou tão isolado que só nos últimos meses voltamos a ouvir falar da poesia dele, apesar de ter ganhado o prêmio Jabuti de poesia, em 1996, e o prêmio Paulo Rónai de tradução, em 1998.

A redescoberta do poeta se deve, em parte, a "Trilha: Poemas 1968-2015" (Azougue, 2015), antologia organizada por ele próprio, e à sua presença na Flip deste ano, onde falará neste sábado (1).

"Estou com 75 anos e só agora me convidaram para ir a Flip. Nunca fui uma pessoa muito badalada porque não participava de nada. Não é virtude minha, mas da geografia. Não fiz grandes amizades literárias, não frequentei o ambiente", diz Fróes, sentado na mesa da cozinha, antes de promover à reportagem, todo prosa, um tour pela mata e árvores que ele próprio plantou.

Ao final da visita, lamentou não ter mostrado um par de árvores. "Você tinha que ver, elas cresceram juntas, abraçadas, uma se apoiando na outra, uma coisa incrível", diz, no tom maravilhado que usa para falar da natureza.

CHIQUE

Até os 30 anos de idade, frequentou, e muito, "o ambiente". Era diretor de uma editora espanhola com filial no Rio. "Vivia num meio sofisticado. Não era um artista, mas era um editor, tinha um charme intelectual. E rico gosta disso. Eu frequentava bares de Ipanema, jantava na casa da Suíça, tinha apartamento no Arpoador."

Antes disso, vivera uma vida "de classe média, média baixa", com o pai, que trabalhava na seção administrativa de uma companhia elétrica, a mãe, dona de casa, e dois irmãos. Bom aluno, estudou num dos melhores colégios do Rio, o federal Pedro II. Fez faculdade de artes plásticas, mas interrompeu os estudos para uma temporada nos EUA e não os retomou. "Não tenho nenhum talento para a pintura. Pinto com as palavras."

"Desde o ginásio, sabia que estava condenado a fazer poesia, mas tinha vergonha de me declarar poeta sem ter um livro publicado. Além disso, o concretismo era o movimento da moda. Dizia-se que poesia em verso tinha acabado. Mas eu não tinha intenção nenhuma de fazer aquele negócio. Pensava, 'não sou geômetro!' E ficava envergonhado."

Sentia que a vida de diretor editorial se chocava com a sentença de ser poeta. "Decidi me concentrar no trabalho. Pensei, 'se ele tiver algo que fale às pessoas, vai acabar chegando. Não adianta eu sair por aí me exibindo. Eu sou uma pessoa como outra qualquer. O trabalho é que tem que ter seu caminho'", lembra.

"Querer ser famoso, para mim, é uma doença tão ruim quanto querer ser rico. Nunca quis. Pelo contrário, aos 30 anos resolvi caminhar para trás. Mas andei para frente enormemente porque cumpri minha vocação."

PRESO

Teve um empurrão da ditadura. Foi detido em casa numa madrugada e ficou quatro dias preso, sem saber por quê. Foi solto e continuou não sabendo. "Morar no Rio sob a ditadura era uma chatice. Você saía para tomar uma cerveja com amigos se deparava com uma barreira do exército."

Até então, publicara dois livros, "Língua Franca" (1968) e "A Vida em Comum" (1969). O seguinte, já da época do mato, se chama "Esqueci de Avisar que Estou Vivo" (1973).

"Quando vim para cá, esqueci de tudo", conta o poeta. "Não dizia, 'vou escrever poema'. Ele se escrevia em mim. Fui ficando cada vez mais um instrumento, uma flauta de osso. O poema tocava em mim. Aqui você vive em meio a uma poesia", diz ele, e cita o exemplo de "Mulheres de Milho".

"Foi a primeira plantação de milho que fiz. Quando entrei nela pela primeira vez, fui andando e de repente ouvi uma voz, como se fosse de fora de mim, dizendo 'milhares de mulheres de milho / brotam do meu olho calado como espigas / fortes'", e desanda a recitar o poema.

De fato nota-se uma mudança de olhar radical entre os poemas da cidade e os do mato. Na cidade, costumam ser amargos. Por exemplo, "Preocupações Palacianas": "Há uma pilha de pastas em cada mesa. / Em cada coração, um vazio. / A hora do café no copinho / de plástico é a salvação da lavoura."

Já os do mato têm deslumbre, por exemplo, "O Observador Observado": "Quando eu me largo, / porque achei / no animal que observo atentamente / um objeto mais interessante de estudo / do que eu e minhas mazelas ou / imoderadas alegrias".

Seus poemas descrevem a natureza, mas falam do ser humano. O editor Sergio Cohn, responsável pela antologia publicada no ano passado e fã de longa data de Fróes, resume assim a questão: "As pessoas lêem ele falando sobre montanhas e plantas e acham que é só sobre a natureza, mas é mais do que isso, ele está passando uma ideia usando a natureza como elemento, e não o contrário. Ele sempre fala 'não sou poeta de jardim', e não é mesmo".

Chamada Flip

Para Cohn, Fróes está ciente da importância que a Flip tem para sua carreira, que andava escondida no mato ao menos desde a sua última publicação, "Chinês Com Sono", em 2005.

No meio literário, era sempre lembrado por suas traduções, que o bancaram desde que largou a carreira de editor. Tem um gosto por autores pedreiras, como William Faulkner, George Elliot, Jonathan Swift e Goethe.

"O silêncio é uma porrada muito grande, talvez seja a maior. Isso sempre é uma sombra muito próxima para um poeta. Ter jovens redescobrindo a poesia dele é muito importante, e acho que ela sente isso. Sabe que não está na Flip por acaso", diz Cohn.


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