Folha de S. Paulo


Gay Talese diz que não irá promover livro após descobertas de falhas

O jornalista Gay Talese, um dos maiores nomes do jornalismo americano, afirmou que não irá mais promover seu livro mais recente, "The Voyeur's Motel", após repórteres do jornal "The Washington Post" terem apontado falhas na apuração. Algumas horas depois, contudo, recapitulou: "se houver detalhes a corrigir, o faremos", escreveu em comunicado.

Em "Voyeur's Motel", ele explora a história de Gerald Foos, dono de um motel americano que afirma ter espionado durante anos as práticas sexuais de vários seus hóspedes por meio de grelhas de ventilação falsa instaladas no teto dos quartos.

Acontece que quando repórteres do "Washington Post" foram checar a história, descobriram que Foos havia vendido o motel, localizado no Estado do Colorado, em 1980 e só o readquirido oito anos depois. Isso põe em xeque toda a sua credibilidade como fonte do relato.

Daigo Oliva/Folhapress
O jornalista Gay Talese após palestra para jornalistas da Folha, em São Paulo, em 2012
O jornalista Gay Talese após palestra para jornalistas da Folha, em São Paulo, em 2012

"Não deveria ter acreditado em uma palavra do que ele disse. Não vou promover o livro", disse Talese, 84, após os jornalistas do "Post" terem mostrado que entre 1980 e 1988, Foos não esteve à frente do local. "Como posso promovê-lo quando a sua credibilidade foi atirada no lixo?"

RECAPITULAÇÃO

O livro, que será publicado no dia 12, teve um trecho divulgado na revista "The New Yorker" no começo do ano e gerado grande repercussão. Steven Spielberg chegou a comprar os direitos de adaptação do livro para um filme que deve ser dirigido por Sam Mendes ("Beleza Americana", "007 Contra Spectre").

A questão da propriedade do motel, por exemplo, contraria alguns dos detalhes no livro: Foos chegou a afirmar que levou a própria mulher para bisbilhotar os casais transando por volta de meados dos anos 1980, o que seria impossível, já que nessa época ele não estava à frente do estabelecimento. Informações sobre o voyeurismo estavam num diário que Foos confiou a Talese.

"A fonte do meu livro, Gerald Foos, não é confiável", disse Talese. "É um homem desonrado. Sei que fiz o melhor que pude nesse livro, mas talvez isso não tenha sido o suficiente."

Horas depois, num comunicado, recapitulou: "Estou surpreso e chateado sobre esse fato da propriedade do motel nos anos 1980. Isso ocorreu depois da maioria dos eventos cobertos pelo meu livro, mas eu estava chateado e provavelmente disse coisas que não queria ter dito. Vamos deixar claro: Não estou desautorizando o livro, nem meu editor está. Se houver detalhes a serem corrigidos em edições posteriores, o faremos".

DOIS ASSASSINATOS

Um dos casos contados no livro já havia sido contestado: o dono do motel conta ter testemunhado um homem estrangular uma mulher num dos quartos em 1977, caso que ele teria reportado à polícia sem dizer, contudo, que havia presenciado tudo. Talese foi atrás da ocorrência mas, não a tendo encontrado, atribuiu a ausência a um erro das próprias autoridades policiais.

Outra morte, contudo, de fato ocorreu no motel: a de um homicídio não solucionado de um homem cometido em 1984; o caso é mencionado de passagem na obra de Talese.

O jornalista visitou seu entrevistado no motel apenas uma vez, em 1980.

Foos também foi a público, mas defendendo a sua versão: "Juro que eu nunca disse uma mentira. Tudo o que digo no livro é verdade".

JORNALISMO LITERÁRIO

Talese é um dos expoentes, junto de Tom Wolfe, Norman Mailer e Truman Capote, do gênero chamado jornalismo literário, estilo consagrado por reportagens de fôlego embaladas por textos cuidadosamente escritos.

A Mulher do Próximo
Gay Talese
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Sua reportagem "Frank Sinatra Está Resfriado", perfil sobre o cantor americano publicado em 1966, ganhou ampla notoriedade: para escrevê-la, Talese ouviu mais de cem pessoas que circundavam o músico, mas não conseguiu falar com o próprio. O texto saiu aqui na coletânea "Fama e Anonimato" (Companhia das Letras, 536 págs., R$ 69).

Também seu, "A Mulher do Próximo", é uma das mais famosas documentações sobre a revolução sexual nos anos 1970 (Companhia das Letras, 488 págs., R$ 69,90).

Editor da "New Yorker, David Remnick disse que ainda não teve tempo de revisar a checagem do fragmento da história publicado na revista. Já o editor do livro, Morgan Entrekin, da Grove Atlantic, disse que manterá a publicação do livro e que estuda acrescentar uma novo preâmbulo do autor nele.


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