Folha de S. Paulo


Cuenca fala sobre a própria morte em livro e filme para 'explorar o patético'

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A polícia carioca descobriu que João Paulo Cuenca estava morto, vítima de uma pneumonia com formação de abcessos, edema e outras tantas moléstias, enquanto o escritor compartilhava beijos e um baseado com uma italiana de colo farto e nariz adunco sob o Panteão, em Roma.

O autor só foi mesmo se dar conta de sua própria "morte" três anos depois, em 2011, informado por um inspetor que um cadáver encontrado num prédio ocupado na Lapa, bairro-gênese da boemia carioca, portava como documento a sua certidão de nascimento.

O fato insólito e real nutre tanto o filme "A Morte de J. P. Cuenca", que estreou nesta quinta (30) nos cinemas, quanto o romance "Descobri que Estava Morto", que o escritor e colunista da Folha lança nesta sexta (1º), durante a Flip. Ainda hoje, na festa literária de Paraty, Cuenca debate com a mexicana Valeria Luiselli.

Keiny Andrade/Folhapress
O escritor J.P. Cuenca na entrada do cemitério municipal São Francisco de Assis
O escritor J.P. Cuenca na entrada do cemitério municipal São Francisco de Assis

"O contexto é o mesmo, mas o filme não é adaptação do livro", diz o escritor. "Quem viu o filme pode achar que vai entender mais se ler o livro. Pode até entender menos."

O longa-metragem, reconstrução ficcionalizada roteirizada e dirigida pelo próprio Cuenca, aponta a câmera para autor tentando escarafunchar os fatos com toda a sorte de tipos burlescos: burocratas do serviço funerário e investigadores velhacos em mesas atulhadas de bibelôs.

E também corretores imobiliários que operam em "prédios retrabalhados", com academia, banheira de hidromassagem, "home cinema" –a crítica à especulação urbana no Rio de Janeiro pré-olímpico é nervo central tanto do longa quanto do livro.

"Minha identidade foi roubada numa ocupação na Lapa, que está no centro desse projeto de nova cidade" diz. "A zona portuária é um cemitério de escravos. E o que fazem lá? Constroem um Museu do Amanhã e enterram o passado de um massacre, que permanece nos dias de hoje."

No livro, Cuenca se descreve como uma uma "peça insignificante de um dominó imobiliário que existia desde o Império", vivendo numa "bolsa de capital social" que chama de "Rio de Herdeiro".

"Em São Paulo me sinto mais livre até para ficar triste, se for o caso", diz o autor, que hoje mora na capital paulista.

Cuenca, autor de "O Dia Mastroianni" e "Corpo Presente", concebe o projeto do novo livro e do longa como parte de um tripé que se completa com a sua performance.

"Tem tudo a ver com a Flip, com essa onda de festas literárias que é positiva, mas que tem trocado a experiência da leitura pela performance do escritor. O filme é a resposta."

Descobri Que Estava Morto
João Paulo Cuenca
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O escritor rejeita a ideia de a empreitada ser uma "egotrip". Diz-se mais inspirado no pungente e semiautobiográfico "Recordações do Escrivão Isaías Caminha", de Lima Barreto, do que na onda de autoficções literárias.

"Parece vaidade, mas o filme é uma exploração do patético. É sem qualquer pudor."

DESCOBRI QUE ESTAVA MORTO
AUTOR João Paulo Cuenca
EDITORA Planeta/Tusquets
QUANTO R$ 39,90 (240 págs.)

Chamada Flip


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