Folha de S. Paulo


Dramaturga Consuelo de Castro colocou os anos 1960 nos palcos

A autora teatral Consuelo de Castro, que morreu de câncer nesta quinta-feira (30), "era uma força da natureza, como mulher e como dramaturga". Assim descreveu Leilah Assumpção, colega de geração que se considerava e era considerada por Consuelo uma irmã.

"Sua dramaturgia era visceral, ela tinha o melhor diálogo do teatro brasileiro", acrescentou, chorando. Nos últimos anos, com o retorno do câncer, Consuelo vinha se reunindo regularmente com amigos.

Num dos encontros, no apartamento da atriz Bete Coelho, em São Paulo, já com o governo Dilma Rousseff mergulhado em crise, questionou vigorosamente Lula e a presidente, dizendo que traíram José Dirceu, esquecido numa prisão no Paraná.

Afirmou que não tinha partido, que era amiga de Dirceu e jamais o abandonaria.

ENGAJADA

Consuelo foi a autora mais engajada, politicamente, de toda a geração de dramaturgos que estreou em 1969 e que incluía Leilah, José Vicente, Isabel Câmara e outros.

"Nós somos a geração 'angry young men' [jovens raivosos], quem nos chamou assim, se não me engano, foi o [crítico e diretor italiano] Alberto D'Aversa", afirmou ela à Folha, há dois anos.

"Não éramos tão 'angry' nem éramos todos 'men', mas surgimos na contramão da ditadura militar e da censura. Na contramão do silêncio."

Uma geração, sobretudo ela, que enfrentou seguidamente os vetos e cortes, às vezes vencendo, outras não. Sua primeira peça, "Prova de Fogo", de 1968, só seria encenada 25 anos depois (leia texto nesta página).

O texto refletia seu envolvimento no movimento estudantil nos anos 1960. Nascida em Araguari, interior de Minas, ela fez Ciências Sociais na USP, entrou para o Partido Comunista e conviveu com Dirceu, Aloysio Nunes Ferreira e outros futuros políticos.

Zé Celso, que dirigiria "Prova de Fogo", lembra que "era uma peça sobre a guerra da USP com o Mackenzie, o Dirceu era o líder". ERa "uma peça que captava bem o movimento que tinha nessa época, nessas disputas da rua Maria Antônia".

"Eu gostava muito dela, ela era muito bonita, muito jovem", continua o diretor, falando de uma foto que guarda da época, com ambos em pose de guerrilheiros. "Consuelo era muito viva, muito ativa, muito doida."

A peça com que ela estreou de fato foi "À Flor da Pele", no ano seguinte, em que se confrontam uma estudante e seu professor. Assim como o anterior era inspirado em Dirceu, o protagonista teria como fonte o crítico Sábato Magaldi.

Foi novamente, como ela própria dizia, um texto "pós-Plínio Marcos", com poucas personagens, "fechadas, enclausuradas dentro de um local e dentro de si", com "a repressão dentro da alma".

Como outras peças da geração 69, foi "um puta de sucesso, de público, de crítica", lembrava Consuelo, que em seguida se afastou, foi trabalhar em publicidade no Rio e só voltaria a escrever anos depois.

Foi quando estreou "Caminho de Volta", com direção de Fernando Peixoto, com que ela venceria o Prêmio Molière de 1975. Embora escrevesse sem a regularidade da "irmã" Leilah, nunca chegou a parar.

Há dois anos, lançou um novo livro, "Três Histórias de Amor e Fúria" (ed. Giostri), com, entre outros textos mais recentes, "Memórias do Mar Aberto - Medeia Conta sua História".

O dramaturgo e ator Oswaldo Mendes, que participou do projeto de encenar a peça encabeçado pela atriz Walderez de Barros, lembra que abria com "uma das coisas mais bonitas que ela escreveu".

"Medeia entrava em cena e dizia, 'Não direi 'Ai de mim'", recorda Mendes, afirmando que retratava a própria Consuelo, que "não tinha meias emoções, tudo era definitivo, contagiava a gente. Ela viveu lindamente".

Consuelo deixa dois filhos, a fotógrafa Ana Carolina Lopes e o jornalista Pedro Venceslau, de "O Estado de S. Paulo". Seu último trabalho foi um livro infantil inspirado no neto, Antonio, de 5 anos, filho de Pedro.


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