Folha de S. Paulo


Flip começa nesta quarta e projeta cena de poesia do Rio de Janeiro

O Rio de Janeiro continua indo. Ano após ano, os poetas cariocas, fluminenses ou que fizeram carreira na cidade vão ao sul do Estado. E ocupam um espaço considerável na programação da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que começa nesta quarta (29) e vai até domingo (3).

Desta vez não é diferente. Para começo de conversa, a homenageada, Ana Cristina Cesar (1952-1983) vem de um movimento literário carioca –a poesia marginal. O amigo que a autora deixou responsável por seus escritos, o poeta Armando Freitas Filho, vai abrir os trabalhos na festa.

No resto da programação, os conterrâneos de Ana C. também têm espaço importante. A nova geração está lá. Nesta quinta (30), quando a Flip começa para valer, a primeira mesa reúne as cariocas Laura Liuzzi e Marília Garcia, com a paulistana Annita Costa Malufe –justamente para discutir a obra da poeta marginal, referência importante para essa geração. No sábado (2), é a vez de Ramon Nunes Mello.

E não é algo deste ano apenas. Ao longo da história da Flip, a poesia carioca –ou fluminense– ocupa um espaço importante. Em 2015, a autora mais vendida foi a portuguesa (que morava no Rio) Matilde Campilho, outro nome saído da mesma cena.

Por ali, já passaram também Carlito Azevedo, Antonio Cícero, Chacal, Bruna Beber, Alice Sant'Anna, Mariano Marovatto e tantos outros.

CENA CARIOCA

"Acho que há um ambiente riquíssimo, um aspecto de performance de palco propícia [a eventos literários]", diz Paulo Werneck, curador pela terceira vez da Flip.

Outros fatos contribuem para a cena carioca pulsar. Um deles é a presença de grandes poetas de gerações anteriores que, além de ainda estarem em atividade, também se dedicam a ensinar os mais jovens.

As aulas de poesia de Paulo Henriques Britto, na PUC-Rio, por exemplo, são um celeiro de novos poetas. As oficinas de Carlito Azevedo são outro. Eucanaã Ferraz é mais um poeta que costuma andar com os mocinhos e mocinhas da nova poesia –ele é orientador de mestrado de Ramon Nunes Mello. O próprio Armando Freitas Filho é conselheiro dos mais jovens.

"O Armando sempre foi meu primeiro e meu último leitor", conta Laura Liuzzi, que divulga seu "Coisa" (7Letras) durante a Flip.

Já Armando ainda se lembra de quando o pai de Alice Sant'Anna, outra expoente dessa cena, levou a menina para conhecê-lo aos 15 anos. E ele, que até hoje é procurado por jovens, a pegou pela mão.

O paulista Sérgio Cohn, editor da Azougue, uma das casas com foco em poesia sediadas no Rio, tem "uma teoria maluca". "A poesia paulista se voltou para a elite, para as artes visuais. É uma poesia livresca, de leitura mais lenta. No Rio, há uma poesia que não virou puramente literária. São poetas que circulam falando sobre música, artes visuais, cinema..."

"Brinco que a poesia carioca é a precursora do stand-up comedy brasileiro. É uma poesia com um cara sozinho, com impacto imediato", diz.

UNIVERSIDADE

A opinião de Cohn é semelhante a do poeta e professor de literatura brasileira da USP Augusto Massi. "Aqui [em SP] tínhamos uma tradição muito universitária, da USP, e a tradição dos concretos. É um debate que fortalece a própria crítica. É como se no Rio os poetas tivessem liberdade para escrever", diz.

A Flip, não custa lembrar, é um evento para um público geral, não acadêmico.

Sobre esse tema, os parênteses são de Armando Freitas Filho, que não vê nisso um problema: "Eu fico até com inveja. São Paulo tem uma produção universitária, que pode até ser mais fechada agora, mas que resistirá ao tempo. A nossa aqui não tem essa firmeza."

Na cena carioca, entra na balança o papel que teve a editora carioca 7Letras, conhecida por revelar novos poetas –Marília Garcia, por exemplo, trabalhou lá por dez anos. E também o sarau CEP 20.000, organizado por Chacal há mais de 20 anos na capital carioca, por onde muitos nomes da nova geração passaram.

Mesmo no caso dos poetas que não são da cidade, é lá que fica a antena importante de outra convidada deste ano: Heloisa Buarque de Hollanda. Se com "26 Poetas Hoje" (1975), ela ajudou a projetar os poetas marginais para o futuro, depois fez mais duas do tipo: "Esses Poetas" (1998), com autores da década de 1990, e "Enter", com nomes dos anos 2000. Marília Garcia, que fala nesta quinta (30) na mesa 1, já estava lá.


Endereço da página:

Links no texto: