Folha de S. Paulo


crítica

Edição revela prosa imprescindível de peruano Julio Ramón Ribeyro

Pouco conhecido no Brasil, o peruano Julio Ramón Ribeyro (1929-94) é o autor do indispensável "Só para Fumantes", coletânea publicada em 2007 pela extinta Cosac Naify.

"Prosas Apátridas", um dos últimos títulos da coleção Otra Língua (Rocco), traz uma nova dose de Julio Ramón Ribeyro para os brasileiros. Uma dose necessária. Trata-se de um daqueles dez livros (no máximo) escandalosamente bons de 2016.

São textos curtos –podem ser lidos em qualquer ordem– que não se encaixam nem no conjunto da obra do autor e nem em um gênero específico. Ao todo, Ribeyro reuniu 200 fragmentos variados. Alguns ocupam duas ou três linhas, outros ocupam pouco mais de uma página.

A epígrafe de Tagore escolhida pelo autor menciona "o triunfo desesperado de ter perdido tudo", mais ou menos como canta Bob Dylan em "Like a Rolling Stone". Ribeyro, no fim das contas, afina bem com o éthos da folk music.

A vontade de liberdade aliada à vontade de conservar o que é importante perpassa todo o volume. Nessa linha, "Prosas Apátridas" seria um dos objetos imprescindíveis de que fala o autor –um daqueles poucos livros que um andarilho ou viajante poderia carregar por aí na mochila, como os que o próprio Ribeyro, quando vagou sem destino pelo mundo, carregou em uma malinha.

Como tudo o que Ribeyro escreveu, "Prosas Apátridas" é um livro singelo que ainda assim flerta com o grandioso e o impenetrável. No meio de tantos autores medíocres à procura da profundidade, ler o que ele tem a dizer é sempre um alento. Daí a vontade de mantê-lo à mão para releituras infinitas.

Não há, no livro, nada de muito estranho à existência cotidiana. É ela que serve de matéria-prima para Ribeyro.

Um homem de terno que corre pela calçada. Dois vizinhos do prédio que se parecem muito um com o outro. Um entardecer. Cenas domésticas, com o filho, a mulher e o gato. Cenas de Paris. Do abstrato ao palpável, tudo tem vez. Solidão, vinho, a passagem do tempo, uma lhama, moda, sexo, aeromoças, morte, bom e mau gosto, viagens de metrô. Ribeyro vê tudo por um ângulo esquisito, com a mistura de humor e melancolia que o leitor de seus contos já conhece.

Prosas Apátridas
Julio Ramon Ribeyro
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O trecho 149 tem, talvez, mais ressonâncias do que o próprio autor esperaria. Escreve Ribeyro: "Imaginar um livro que seja da primeira à última página um manual de sabedoria, uma fonte de alegria, uma caixa de surpresas, um guia de conduta, um presente para os estetas, um enigma para os críticos, um consolo para os infelizes e uma arma para os impacientes. Por que não escrevê-lo? Sim, mas como? E para quê?".

Você já o escreveu, Julio. Sem notar. Para lembrar aos leitores que a vida é um assombro sem fim, mas é bonita.

PROSAS APÁTRIDAS
AUTOR: Julio Ramón Ribeyro
EDITORA: Rocco
QUANDO: R$ 34,50 (160 págs.)


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