Folha de S. Paulo


Em nova edição, livro adiciona mais importantes capas recentes da Folha

"Dilma é a eleita", clamava em maiúsculas a última manchete do livro "Primeira Página - 90 Anos de História nas Capas Mais Importantes da Folha", de 2011. "Temer assume e defende reformas e gasto social" registra a última manchete da edição que celebra os 95 anos do jornal, a ser lançada na quinta (30).

A anunciação da primeira mulher a assumir o cargo de presidente da República no Brasil e, cinco anos depois, sua substituição compulsória pelo vice funcionam como pontas opostas de um mesmo plano-sequência, o começo e o desfecho (temporário?) de um período especialmente conturbado deste país acostumado a conturbações.

Esta oitava edição do livro inclui 13 novas capas, um acréscimo modesto quando se considera o frenesi noticioso dos últimos anos.

Em condições normais, a escolha do que entra no "Primeira Página" já não é tarefa fácil. A seleção implica um pouco de adição e muito de subtração. O primeiro livro, de 1985, trazia 170 capas; o de 2011, 223; o deste ano, 224.

A crise política nacional, alavancada pelas manifestações e pela Lava Jato, dominou as escolhas, com sete capas. Só dois assuntos desafiaram o monopólio, a tragédia sem precedentes da boate gaúcha Kiss e a derrota acachapante do Brasil na Copa.

O noticiário internacional ganhou cinco capas, três delas ligadas ao terrorismo de grupos islâmicos, uma para a retomada de relações entre EUA e Cuba após 53 anos e outra para o primeiro papa latino-americano –lembrando que esta última embute a renúncia de outro papa.

A garimpagem obrigatória deixou muita coisa importante de fora. Não entrou, por exemplo, a prisão de Delcídio do Amaral, inédita para um senador em exercício do mandato. Nem a história dramática do copiloto suicida da Germanwings, que deliberadamente derrubou um Airbus nos Alpes franceses, matando outras 149 pessoas. Ou o grampo da conversa do ex-presidente Lula com Dilma.

Não passaram pelo último funil do processo de que fala o prefácio de Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha. Se, como ele escreve, as notícias que chegam à "Primeira Página" vencem uma corrida semelhante à da seleção natural, o que dizer da escolha de 224 entre as 31.817 publicadas pelo jornal até 13 de maio, data final do livro?

"Foram raros os períodos com tanta temperatura jornalística como o que começou com os protestos de Junho de 2013", afirma o editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila. Em alguns dias, segundo Dávila, a "Primeira Página" era toda composta de assuntos que renderiam manchetes em dias normais, e isso se refletiu na seleção feita. "Deixamos de fora notícias muito importantes, mas, em comparação, menos importantes que as que foram escolhidas."

MERGULHO NO PASSADO

Memória incômoda da velha arte política de vender ilusão, praticada até hoje com empenho: "O regime democrático está definitivamente enraizado na consciência nacional", dizia o general Eurico Gaspar Dutra na "Folha da Manhã" de 1º de fevereiro de 1951, ao passar a faixa de presidente a Getúlio Vargas.

Dutra caprichou: a democracia estava enraizada "consoante a nossa tradição secular de livre governo representativo", tradição essa que seria posta à prova inúmeras vezes nos turbulentos anos seguintes até sucumbir em 1964.

Não faltam histórias que ganham leitura irônica no livro "Primeira Página". Nem a sucessão esperada de acontecimentos icônicos, que valem ser revistos com o testemunho a quente do mundo de então. Estão lá a execução de Sacco e Vanzetti, a Segunda Guerra (cujo fim foi comemorado por 80 mil pessoas na Sé), os assassinatos dos Kennedy e de Gandhi, o satélite russo, a chegada à Lua.

São fatos históricos que podem ser lidos facilmente em milhares de fontes, mas uma velha "Primeira Página" os entrega no pacote original.

No caso, um jornalismo em que reinava a voz passiva, muitas vezes deixando de fora o sujeito da ação, e com uma ortografia hoje bizarra: "Annexada á Russia quasi a metade do territorio polonez" (23.set.1939), "Promulgada hontem nova Constituição para o paiz" (11.nov.1937). Ou "Revelada nos E.U.A e Inglaterra a invenção da arma de maior poder destruidor de tôda a guerra" (7.ago.1945) –tão nova que era anunciada entre aspas: "bomba atômica".

O sabor do inesperado aparece em pérolas insuspeitas, como a manchete de 30 de julho de 1952: "Causam viva apreensão nos E.U.A. os discos voadores". Ou em chamadas menores, como a que noticia, com escândalo, que "Em plena crise, Kruchev foi ouvir no teatro um cantor de opera ianque" (24.out.1962).

A razão do estranhamento derivava da gravidade da manchete: "Previsto para a tarde de hoje o encontro entre 25 barcos russos e a frota dos EUA", mais um episódio da Guerra Fria. Abaixo, uma chamada com aquela gramática peculiar que lembra mestre Yoda, de "Guerra nas Estrelas": "Não crê na III Guerra ex-ministro japonês".

Folhear as páginas da primeira metade do século passado é descobrir também o português pré-reforma ortográfica de 1943, que aboliu as letras dobradas, à exceção dos rr e ss. Lá estão grafias como allemão, demittiu, acclamou, commando, attentado, anniversario, enthusiasmo.

Primeira Página
Folha De São Paulo
l
Comprar

É dar de cara com o provincianismo ingênuo que permitia enviar, na capa, "Felicitações das FOLHAS à princesa da beleza", Marta Rocha, segundo lugar no certame de Miss Universo. Tudo isso patrocinado pelo reclame de Neptuno Sardinhas, "verdadeira glória da indústria brasileira". É uma delícia.

PRIMEIRA PÁGINA - 95 ANOS DE HISTÓRIA NAS CAPAS MAIS IMPORTANTES DA FOLHA
EDITORA Publifolha
LANÇAMENTO 30/6, na Flip
QUANTO R$ 84,90 (240 págs.)


Endereço da página:

Links no texto: