Folha de S. Paulo


Obras de mestres do minimalismo do acervo Helga de Alvear vêm a SP

Quando chega uma colecionadora, os olhos apertados de Helga de Alvear se arregalam."Isso você deveria comprar", diz a marchande, mostrando uma escultura da portuguesa Helena Almeida na feira Arco, em Madri. "Vai ser como a Louise Bourgeois, uma das grandes estrelas da arte."

Na meia hora que passei sentado de frente para ela, vi a galerista de 80 anos defender e desancar alguns artistas, falando com sua clientela num tom de conselheira. É como se soubesse o que é bom para cada um e -mais importante ainda- tivesse total certeza sobre os rumos dos valores no imprevisível mercado da arte.

Há duas décadas, quando abriu sua própria galeria em Madri, depois de trabalhar anos com Juana de Aizpuru, outro pilar do mercado espanhol, Alvear se tornou uma das vozes mais respeitadas na cena da arte contemporânea europeia. E sua coleção, com cerca de 3.000 obras, transcendeu todas as fronteiras -vai desde a vanguarda da fotografia alemã a nomes fortes da América Latina, passando pelo minimalismo americano.

Uma seleção desses trabalhos, entre eles peças de Cindy Sherman, Ed Ruscha, Jac Leirner, Josef Albers, Marcel Duchamp, Dan Flavin, Bruce Nauman, Gordon Matta-Clark e Donald Judd, chega agora à Pinacoteca para uma das maiores mostras do museu paulistano neste ano de crise.

Ivo Mesquita e José Augusto Ribeiro montaram essa lista de obras na tentativa de representar os dois lados da coleção -um mais "formal, econômico, minimalista, abstrato e sóbrio" e outro mais "engraçado, divertido e sardônico", nas palavras de Ribeiro.

"No início a gente nunca sabe, mas você aprende a colecionar", diz Alvear. "A gente tem um 'feeling' às vezes."

Essa tal intuição vem orientando Alvear a construir um verdadeiro museu desde que trocou a música pela arte. Nascida na Alemanha, ela foi estudar espanhol em Madri nos anos 1950. Era só uma desculpa para tentar se tornar uma pianista, mas seu pai não deixou, dizendo que "ninguém ganha dinheiro com isso".

Não que ela precisasse. Alvear é herdeira de uma fortuna e comanda, ao lado do irmão, um império de fábricas de plástico que domina a produção mundial de fraldas. É isso que dá a ela o respaldo financeiro para tocar sem medo os negócios no mundo da arte, que só agora, com o arrefecimento da crise na Europa, parecem sair da quase paralisia dos últimos oito anos.

"Nem sei quanto valem as minhas obras, e isso não importa", diz Alvear. "Tenho dinheiro das minhas empresas, então coleciono boas peças."

"Ela é uma pessoa simples e prática, gosta ou não gosta", diz Mesquita. "Ela sempre teve dinheiro, então não se deslumbra com as coisas nem se acha especial. Tem poucas obras em casa, porque tudo está à disposição dos museus. É o legado dela."

Esse legado, como observa Ribeiro, parece estabelecer um elo entre o auge do minimalismo nos anos 1960 e artistas cobiçados da arte contemporânea. Nos dois casos, são obras quase nunca vistas no Brasil, embora tenham influenciado uma série de nomes do país.

Fotografias da dupla alemã Bernd e Hilla Becher, por exemplo, famosa por retratar de forma obsessiva as estruturas do passado industrial no interior da Alemanha com enquadramentos rigorosíssimos e sem uma alma por perto, fizeram escola no mundo todo e ecoam o aspecto catalográfico da série de imagens de estacionamentos que Ed Ruscha fez em Los Angeles.

O mesmo rigor dos minimalistas americanos, como Donald Judd e Dan Flavin, também dialoga na mostra com os trabalhos de matriz mais construtiva que despontaram no Brasil, como a instalação em que a paulistana Jac Leirner enfileirou cartões de visita de curadores e diretores de museu ao longo de uma parede.

Leirner, que se tornou uma artista incontornável na história recente por juntar a geometria das vanguardas latinas a um ataque ao mundo da arte intoxicado pelo jet-set, também parece aqui fazer uma ponte com outra estrela, a americana Cindy Sherman.

Famosa por se autorretratar usando disfarces e fantasias, às vezes se passando por celebridades, Sherman ressurge na mostra como os personagens anônimos de sua série inspirada em pessoas que via nos ônibus de Nova York.

Todas em preto e branco, as imagens da obra, ainda que cheias de humor, têm a mesma pegada etnográfica e documental do retratista alemão August Sander, mais uma vez mostrando como o olhar de Helga de Alvear busca no presente um resquício dos clássicos da arte moderna.

FORA DA ORDEM - OBRAS DA COLEÇÃO HELGA DE ALVEAR
QUANDO abre sábado (25); de qua. a seg., das 10h às 17h30; até 26/9
ONDE Pinacoteca, pça. da Luz, 2, tel. (11) 3324-1000
QUANTO R$ 6


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