Folha de S. Paulo


Livro de Debret que construiu a iconografia do Brasil ganha reedição

No alvorecer do império, Jean-Baptiste Debret encontrou uma "América ardente", não só pelo clima do Rio que levava ao "abandono de toda etiqueta", mas também pelo calor dos fatos, de contendas entre senhores e escravos e a fuga da família real para os trópicos que marcou o que o pintor francês entendeu como "marcha progressiva da civilização" no país.

Suas aquarelas reunidas no livro "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil" resumem seu esforço para retratar os vários e conflitantes estratos de uma sociedade em formação. Debret, morto aos 80, em 1848, foi testemunha ocular disso tudo entre 1816 e 1831, ano em que voltou a Paris e escreveu quase todas as observações de pegada antropológica que sublinham as suas ilustrações.

Nesse sentido, a reedição do volume, que sai agora pela Imprensa Oficial depois de três décadas em que o livro esteve fora de catálogo, embasam uma redescoberta da obra do artista, ampliando o escopo de seus desenhos que há muito se tornaram uma espécie de iconografia oficial dos tempos do império, por mais caricaturais ou edulcorados que possam ser seus registros.

Debret, ao contrário de artistas como Hercules Florence ou Rugendas, não viajou. Fincou os pés no Rio e dali, entre a rotina como pintor da corte e a sua vocação de flâneur pelas quebradas do Rio colonial, pôde catalogar de forma quase obsessiva o povo brasileiro, seus afazeres e costumes, além de fazer um estudo minucioso de culinária, vestimenta e objetos da colônia, como a incrível variedade de cestas.

"Tem um Debret que vai para a rua", diz Jacques Leenhardt, que organizou a nova edição. "Não tem a ver com a ideologia da pintura neoclássica. Ele é um pintor sociólogo, que vai para as ruas para ver como se comporta o povo."

E, muito além de uma representação visual, Debret escreveu detalhadas observações sobre o que viu. Mais do que suas já manjadas aquarelas, que no novo livro ressurgem exuberantes, a prosa do autor, que em muitos aspectos lembra a elegância controversa de Gilberto Freyre, acaba se tornando o ponto forte da reedição, mostrando que Debret não buscou só o registro exótico dos trópicos para um público consumidor na Europa.

No que chama de "descrição fiel dos hábitos e do caráter dos brasileiros", Debret narra aventuras, não se sabe se vividas por ele ou de segunda mão, pelo "dédalo de vegetação" das selvas, descreve os escravos recém-chegados como "esqueletos ambulantes", a "sensualidade brutal" dos índios, os corpos de "trabalhadores robustos e musculosos cobertos de suor", além de atacar os portugueses "envaidecidos de seu país".

Um entusiasta da Revolução Francesa, que viu de perto, Debret acreditava no progresso calcado na força do povo, talvez daí sua defesa dos escravos, que faziam todo o trabalho no Rio, embora acreditasse na supremacia racial dos brancos. Ele chega mesmo a defender a mistura de raças como fator capaz de neutralizar a violência da subjugação de negros por brancos que ameaçava paralisar o país, antecipando nosso mito de democracia racial.

Viagem Pitoresca E Histórica Ao Brasil
Jean Baptiste Debret
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"Só a civilização poderá destruir esses elementos de desordem", escreveu. "Materialmente, pela mistura mais frequente dos dois sangues; e moralmente pelo progresso da educação."

VIAGEM PITORESCA E HISTÓRICA AO BRASIL
AUTOR Jean-Baptiste Debret
EDITORA Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
QUANTO R$ 250 (652 págs.)


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