Folha de S. Paulo


crítica

Textos de Dorrit Harazim revelam com brilho lado avesso de fotos

Dorrit Harazim poderia ter escrito um livro analisando as fotos mais icônicas da história e o contexto de cada uma delas. Já seria uma obra notável, dada a habilidade da autora para unir reflexão e narração em textos muito bem escritos. Mas "O Instante Certo", que a Companhia das Letras lança nesta quarta-feira (22), vai muito além.

Como a própria Dorrit resume, "através de imagens selecionadas, embarca-se numa espécie de viagem sem roteiro, cujo destino final será sempre uma vinheta da vida e de seus solavancos".

Reunindo 38 textos escritos entre 1995 e 2016 e publicados originalmente no site no.com e nas revistas "Veja", "piauí" e "Zum", o livro nos reserva uma descoberta a cada página: fotógrafos geniais de quem nunca tínhamos ouvido falar, frases preciosas, anônimos eternizados em instantâneos, projetos visuais ambiciosos. Além disso, ela usa imagens emblemáticas para discutir momentos históricos cruciais, como o movimento dos direitos civis.

Bruno Santos - 10.out.2015/Folhapress
A jornalista Dorrit Harazim, autora de 'O Instante Certo
A jornalista Dorrit Harazim, autora de 'O Instante Certo'

Há enigmáticos desconhecidos –como a moça que saltou do Empire State para a morte e jazia plácida sobre o capô amassado de um carro, na cena capturada por Robert C Wiles, em 1947. No texto "O mais belo suicídio", a jornalista conta quem era Evelyn McHale, 23 anos, que se despediu do noivo com um bilhete com os dizeres "eu não seria boa esposa para ninguém".

Há também desbravadores, como o fotógrafo Assis Horta, que ajudou a democratizar a fotografia no Brasil.

Antes monopólio das classes mais altas, retratos se popularizaram após Getúlio Vargas assinar o decreto que criou a CLT e instituir a carteira de trabalho, que exigia fotografia. Horta ia de fábrica em fábrica fotografar centenas de operários. Muitos deles voltavam depois para o seu estúdio movidos pela "vaidade e (desejo de) eternização".

Outro pioneiro foi o chinês Li Zhensheng, que guardou por décadas os registros "não oficiais" da Revolução Cultural, escondidos embaixo do assoalho de sua casa.

NARRATIVAS

Dorrit, que teve diversos cargos na revista "Veja" e foi cofundadora da "piauí", não discorre apenas sobre fotos emblemáticas, mas também sobre narrativas fotográficas. Em "Final Words", Marc Asnin reúne as fotos e as palavras finais de 517 condenados à morte nos Estados Unidos.

Em "Willard Suitcases", Jon Crispin revela ao mundo o conteúdo das 429 malas deixadas por pacientes do Willard Lunatic Asylum. Muitos doentes mentais internados nesse asilo foram enterrados no quintal da instituição só como um número inscrito em uma placa de ferro, e as malas foram o único resquício de sua passagem pela Terra.

Cada um dos textos demonstra o interesse da jornalista e documentarista "pelo lado avesso do que está nas fotos, o que houve antes ou depois do clique, o porquê de a foto existir".

Mesmo falando sobre histórias mais conhecidas, ela avança. Narra a tentativa fracassada de reconciliação entre duas personagens retratadas por Will Counts em "Os nove de Little Rock", foto que mostrou a discriminação sofrida por negros na tentativa de integração em uma escola segregada no Arkansas.

Eddie Adams, autor da foto "Execução em Saigon", que mostra um chefe de polícia executando um homem acusado de ser parte dos vietcongs, sempre se ressentiu da repercussão do retrato. "Recebi dinheiro por mostrar um homem matando outro", constatou depois de ganhar o Pulitzer. "Duas vidas foram destruídas, e eu era um herói."

Alguns textos abordam discussões atuais –como o presidente Barack Obama tentou restringir o acesso de fotógrafos independentes e se comunicar diretamente com o público. Ou a glamorização da fotografia de guerra, herança dos ultrapatrióticos anos pós atentados de 11 de setembro, em que a imprensa americana se empenhou em retratar os conflitos pelo ponto de vista edificante.

Um dos reparos a serem feitos é a falta de mais fotos em um livro como esse. Na versão digital dos textos, a maioria deles publicados na "Zum", é possível ver várias das imagens mencionadas pela autora, o que enriquece a leitura.

Dorrit professa sua admiração pelos "narradores da história visual". Mas, como ela admite, este livro não é para eles, nem para especialistas em fotografia.

O Instante Certo
Dorrit Harazim
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Nas histórias reunidas no livro, ela não se detém em análises aprofundadas das técnicas fotográficas.

Para nossa sorte, trata-se de um livro para "curiosos em geral". E o que somos todos nós leitores, se não curiosos?

O INSTANTE CERTO
AUTOR: Dorrit Harazim
EDITORA: Companhia das Letras
QUANTO: R$ 64,90 (384 págs.)
LANÇAMENTO quarta, 22/6, às 19h, na livraria Argumento do Leblon (r. Dias Ferreira, 417, Rio, tel. 21-2239-5294)


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