Folha de S. Paulo


Fawcett é morto-vivo que vaga por submundo carioca em 'Vampiro 40°'

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"Aqui no Rio o que não falta é vampirismo." Quem crava é a voz grave do outro lado da linha, do autor e músico Fausto Fawcett, ele mesmo uma espécie de alma penada das trevas cariocas –e um de seus maiores cronistas. "As boates são meu templo de aprendizado", diz.

E é por boates, becos e outros cantos escuros de um Rio iluminado por neon que circula o dentuço vivido por Fawcett em "Vampiro 40°", de terror escrachado –e malandro– que estreia nesta quinta (16).

"Não havia como não pensar num vampiro vivendo por aqui", diz ele. "O Brasil é um abismo que nunca chega ao fim. E o Rio é essa fênix baleada que renasce e continua, mesmo com todos esses governos e desgovernos."

Aos 59 anos, Fawcett interpreta Vlak, vampiro que retorna ao balneário depois de ter feito "MBA, doutorado", o escambau, na Transilvânia. Por aqui tem no encalço a Limbo, uma corporação de sanguessugas, e um oponente suburbano, Draco Méier, todos interessados em controlar a venda de pó de vampiro.

O filme transpõe para a telona universo que já tinha pintado na série de episódios curtos "Vampiro Carioca", exibida a partir de 2010 no Canal Brasil. O mote da série, por sua vez, é inspirado no livro "As Aventuras do Vampiro Carioca", de Lucia Chataignier, uma homenagem tropical ao escritor Dalton Trevisan e seu "Vampiro de Curitiba".

Marcelo Santiago (codiretor de "Lula, o Filho do Brasil") diz que leu o livro de Chataignier e ficou "imaginando a contradição lógica de haver um vampiro nos trópicos". Levou a obra para a TV e depois aos cinemas, com apoio do produtor Luiz Carlos Barreto ("Dona Flor"), que achou a ideia "irresistível".

"O gênero de terror é o de maior aceitação na faixa de público entre 15 e 40 anos", diz Barreto, que também enxerga certo caráter vampiresco no Rio atual, cidade "para ser admirada em planos gerais", segundo ele. "Mas, quando a gente desce ao seu submundo, é um horror."

"O vampiro é um ser em turbulência, de alma inquieta", diz Santiago. "É o personagem perfeito para caminhar por esse Rio em que o discurso oficial, olímpico, se contradiz com a realidade violenta da cidade."

Para dar vida a esse morto-vivo turbulento, o diretor se lembrou do compositor de "Kátia Flávia" e seus versos sobre "louraças Lúcifer" e "poltergeists" de Copacabana. "Fausto é uma marca forte carioca e um filósofo underground, um investigador do submundo da cidade."

A princípio relutante, Fawcett, "morador de Copa em contrato vitalício", foi se esbaldando no personagem durante a série. A imersão foi tanta que escreveu o roteiro do filme –nota-se o peso de sua pena em muitos dos diálogos e menções a sensuais "Vampirelas de Bangu" e "dentuças pompoaristas".

"Tenho amor por esses universos obscuros", afirma Fawcett, que agora afirma ter largado a bebida e a boemia pesada à qual se dedicou "com fervor durante 25 anos".

"Agora estou mais ligado na onda dos lobos solitários, dos atiradores de elite", diz ele, que pretende abordar o "fundamentalismo à brasileira" em um novo livro, "Cachorrada Doentia", a sair no segundo semestre. "Meus submundos agora são outros."


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