Folha de S. Paulo


Tata Amaral expõe histórias de tortura e briga de gerações em 'Trago Comigo'

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Um jovem que não entende como um assalto a banco pode ser considerado ato revolucionário duela com um homem de meia idade crítico da "geração sem ideologia". A cena está nos jantares de família, nos debates no Facebook e em "Trago Comigo", que estreia nesta quinta-feira (16).

Em meio ao turbilhão dos acontecimentos políticos e do debate sobre democracia no país, a diretora Tata Amaral discute as sequelas da ditadura em seu sexto longa, que marca seus 30 anos de carreira.

"É importante que o filme saia agora, depois de uma homenagem de [Jair] Bolsonaro ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, único militar reconhecido pelo Estado brasileiro como torturador", diz a cineasta. O deputado saudou o militar, que foi chefe do DOI-Codi de São Paulo, ao votar o impeachment de Dilma Rousseff na Câmara, em abril.

Adaptado de série exibida pela TV Cultura em 2009, o filme mescla ficção e relatos reais de militância e tortura. Entre eles, o da ex-guerrilheira Criméia Alice Schmidt, que apanhou grávida de sete meses, e o do jornalista Ivan Seixas, cuja mãe foi alocada pelos militares numa sala na qual pôde ouvir por várias horas seu marido ser agredido e morto.

Quando alguém cita um torturador, o áudio é emudecido, e a boca de quem falou é coberta por tarjas. Para evitar processos, diz Tata, mas também para refletir o "silêncio da sociedade" sobre o tema.

Divulgação
Cena do longa 'Trago Comigo', de Tata Amaral
Cena do longa 'Trago Comigo', de Tata Amaral

Na ficção, Telmo (Carlos Alberto Riccelli) é um diretor de teatro preso e exilado durante a ditadura, hoje atormentado pela falta de lembranças sobre um amor que perdeu para o regime. Ao conduzir uma peça sobre sua história, aponta didaticamente ao seu jovem elenco –e ao espectador– as aflições do período.

"Ele se depara com um bloqueio de memória em função do trauma. Fui percebendo que o Brasil tende a colocar seu passado traumático para debaixo do tapete", avalia a diretora.

O intérprete vê menos significado político no personagem. "Não me interessava a coisa política, queria contar uma história de amor e idealismo em tempos de guerra", diz Riccelli.

Telmo precisa lidar com jovens que mostram alienação quase total sobre as agruras do regime autoritário e a ideologia da esquerda no período.

"Nas redes sociais, vemos pessoas duvidando de que [a tortura] aconteceu, questionando o que os torturados fizeram para merecer isso. É uma distorção", critica Tata.

Diretora e ator concordam que a história pode tocar até os mais antidemocráticos, porque trabalha com emoções. Também creem que ela dialoga com a política atual do país.

"Esse momento expôs algo que estava esquecido, mas sempre existiu: o ódio, o desrespeito e a intolerância. Um drama pessoal, independente de ideologia, ultrapassa limites. Qualquer pessoa pode entender o Telmo", afirma Riccelli. "E compreender o outro é o primeiro passo para sair de uma visão equivocada."


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