Folha de S. Paulo


Inspirado em livro, Claudio Assis adota tom onírico em 'Big Jato'

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Matheus Nachtergaele em "Big Jato"

Claudio Assis chuta para escanteio a crueza dos necrófilos, das crianças prostituídas e dos poetas anárquicos que rondam seus longas anteriores. Retrata, num sertão fabular, o amadurecimento de um menino dividido entre o pai durão e o tio boêmio.

Dá quase para dizer que o cineasta pernambucano que dirigiu os violentos "Amarelo Manga" e "Baixio das Bestas" ficou mais "fofo".

"Mais fofo? Tô não. O que eu acho é que poder fazer os filmes que eu quero é do caralho", afirma o cineasta, usando o substantivo genital que ainda será repetido seis vezes em entrevista à Folha. "É só um outro tipo de história, mas tem o meu DNA. "

Esta é a primeira adaptação de uma obra literária da carreira de Assis -no caso, do romance homônimo do escritor e jornalista cearense Xico Sá. Na história, com quê de autobiográfico, o adolescente Francisco (Rafael Nicácio) sacoleja pelo sertão na boleia do Big Jato do título, caminhão limpa-fossa dirigido pelo pai, o matuto vivido por Matheus Nachtergaele.

O ator paulista também interpreta Nelson, tio do garoto, um radialista boa-vida e trambiqueiro. Enquanto Francisco recebe lições do pai sobre o valor do trabalho -mesmo o literalmente sórdido que é o de limpar as fossas alheias-, do tio recebe estímulo para escrever seus poemas.

"Sempre tive esse pé na poesia", afirma Assis. "O poeta pode dizer o que quer, pode sonhar", afirma o diretor de 56 anos, que quando era adolescente, em Caruaru, já sonhava em ser cineasta, numa época em que "fazer cinema não era tão fácil quanto hoje, quando se faz até com o celular".

Assim como o protagonista, o cineasta também costumava papear com o "doido da cidade, que dormia no muro do cemitério e todo mundo chamava de louco, mas que tinha sensatez".

No filme, quem dá conta de papel assim é o músico Jards Macalé, que vive o Príncipe Ribamar, filósofo com quem Francisco divaga sobre amor nos trechos mais oníricos de "Big Jato".

Onírico, mas não pudico. "Big Jato" é o primeiro filme de Assis não recomendado para menores de 16 anos; os outros três são impróprios para menores de 18 anos. O novo longa tem nudez e tem sexo -não tão escancarados-, mas em doses maiores do que o que se vê por aí.

"O mundo está careta, e o cinema brasileiro não fica atrás. É tudo coisa boba, querendo agradar. Não pode mais mostrar bunda, peito, 'peru'. Se necessário, por que não?"

Claudio Assis não encaretou, mas virou abstêmio faz três meses. Antes, afirma, "bebia acima do politicamente correto", o que já provocou "mal-entendidos", que é como define o que ocorreu em debate sobre o filme "Que Horas Ela Volta?", da paulista Anna Muylaert, no Recife, em 2015.

Na ocasião, ele e o diretor conterrâneo Lírio Ferreira fizeram repetidas intervenções no evento, interrompendo falas da diretora. Foram chamados de machistas e banidos por um ano da Fundação Joaquim Nabuco, reduto do cinema autoral da capital pernambucana que sediou o evento e que tem como curador o cineasta Kleber Mendonça Filho ("Aquarius").

"Piraram de vez", diz sobre o veto. "Se quiserem que eu não entre, tudo bem, mas o filme foi feito com dinheiro público e não vai poder passar num espaço público, como a fundação?"

Ele diz que continua amigo de Anna e Kleber, que chamou de "desrespeitoso" o comportamento de Assis no episódio. "A gente se fala. Achei do caralho o que ele fez em Cannes", diz, sobre o ato anti-impeachment feito por Mendonça Filho na França.

"Não abro mão de brigar, mas não vou criar mágoas." Nem do diretor Hector Babenco, a quem chamou de "imbecil" e "escroto" em 2004. "Hoje a gente se abraça."

Em outubro, ele abraça um novo projeto, mais cru e direto como os filmes que lhe renderam fama. "Piedade", que será rodado na praia homônima, em Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana do Recife, vai tratar de família, petróleo, dos tubarões que rondam por ali e da "piedade que as pessoas não têm de ninguém".

BIG JATO
DIREÇÃO Claudio Assis
ELENCO Matheus Nachtergaele, Rafael Nicácio, Marcélia Cartaxo
PRODUÇÃO Brasil, 2015, 16 anos
QUANDO estreia quinta (16)


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