Folha de S. Paulo


Mostra de Alfredo Volpi em Londres questiona o título de naïf do pintor

Celebrizado por suas séries de bandeirinhas e fachadas que aliam formas simples e cores vibrantes, o pintor Alfredo Volpi (1896-1988) foi classificado por um filão da crítica como artista naïf. Ou seja: mais intuitivo do que técnico, e não inserido no circuito tradicional de formação (escolas de arte) e divulgação (galerias, museus, leilões).

Uma exposição a ser aberta neste sábado (11), em Londres, busca justamente questionar essa caracterização. É a primeira mostra no Reino Unido dedicada exclusivamente à obra de Volpi, italiano radicado em São Paulo desde os dois anos. No espaço expositivo da Cecilia Brunson Projects, 17 telas percorrem as seis décadas de atividade do pintor, entre os anos 1930 e 1980.

Para o curador Michael Asbury, "a grande contribuição dele foi mostrar que um homem de origem simples podia ser um grande artista". Morador do Cambuci (bairro na região central de São Paulo com expressiva fixação de imigrantes italianos), Volpi abandonou a escola no começo da adolescência e trabalhou como tipógrafo e pintor de interiores antes de passar às telas.

"O rótulo de naïf é resultado de um preconceito classista, constitui uma forma de relegá-lo ao segundo plano", avalia Asbury. "O Brasil não admite isso [que uma pessoa de origem pobre alcance amplo reconhecimento]. Até hoje, no país, há poucos artistas negros ou que não vêm de família da classe alta."

Ironicamente, dois grandes admiradores da produção do italiano estão entre os que contribuíram para o que o curador vê como uma estigmatização. O crítico Mário Pedrosa (1900-1981) organizou uma retrospectiva do artista em 1957, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Na Bienal de 1961, da qual foi curador, dedicou a ele uma sala. Oito anos antes, havia integrado o júri da Bienal que dera a Volpi o prêmio nacional de pintura –empatado com Di Cavalcanti (1897-1976).

Ocorre que, em seus escritos, Pedrosa costumava sublinhar o caráter "outsider" de Volpi, a sua não filiação a círculos de artistas e ao "mundo da arte" de uma forma geral, lembrando que ele não recebera treinamento formal. Tratar-se-ia, assim, de um naïf.

Já o crítico inglês Herbert Read foi peça-chave para a atribuição da distinção ao pintor na Bienal de 1951 –segundo Décio Pignatari contou à Folha em 2001, havia um acerto entre os membros da comissão julgadora para conceder o prêmio a Di Cavalcanti, mas Read se opôs e ameaçou dedurar a armação à imprensa, conseguindo por essa via emplacar o seu preferido, Volpi.

O britânico tinha apreço pela obra do naïf Alfred Wallis (1855-1942), natural de uma vila de pescadores da Cornualha, e o paralelo com Volpi tornou-se quase inevitável.

O certo é que a pintura de Volpi efetivamente mudou a partir do fim dos anos 1930, depois de ele conhecer o trabalho do naïf Emigliano de Souza, de Intanhaém, no litoral paulista: adeus à perspectiva, fachadas retratadas sob outra mirada, e logo a introdução das bandeirinhas como motivo recorrente.

Mas trata-se de uma progressão consciente, não intuitiva, destaca Asbury. Além disso, Volpi tinha entrada no "grand monde" das artes. Admirava o alemão Joseph Albers e o francês Paul Cézanne; sofreu influência do expressionista Oswaldo Goeldi; frequentava nomes como Tarsila do Amaral e Lasar Segall.

A exposição, organizada com o apoio da galeria paulista Almeida e Dale, fica em cartaz até 29 de julho.


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