Folha de S. Paulo


Em mostra em SP, Macchi transforma sombra e luz em arquitetura

Luz, sombra e mesmo os gestos mais banais viram arquitetura nas mãos de Jorge Macchi. O vulto de um livro iluminado por uma vela ou um rabisco num mapa se transformam em pesadas estruturas de aço e madeira.

Na entrada de sua mostra agora na galeria Luisa Strina, uma enorme cruz metálica traz gravadas as coordenadas geográficas daquele lugar. Uma parede, quase tombando sobre a escultura, também está sustentada na parte de trás por cabos de aço presos a uma caixa que lembra um projetor, dando corpo estrutural ao que seriam os raios de luz que constroem um filme imaginário.

Mas esse artista argentino, que acaba de encerrar uma retrospectiva celebrando quase três décadas de trabalho no Malba, em Buenos Aires, não é um ilusionista. Sua tentativa de materializar o efêmero acaba arquitetando visões robustas, sólidas, que em nada lembram a leveza de um gesto ou a natureza diáfana, intangível da luz.

Nesse sentido, Macchi parece revelar os alicerces, quando não pegadas, dos fenômenos que nos rodeiam.

MEMÓRIA ERODIDA

Há mais de dez anos, ele construiu uma de suas instalações mais famosas. "Still Song" é um globo de espelhos pendurado no meio de uma sala, mas, em vez de marcadas por reflexos, as paredes ao redor surgem cravejadas de buracos, como se a luz rebatida por aquela esfera brilhante se tornasse corrosiva.

Essa é uma violência, aliás, que talvez tenha mais a ver com o esquecimento, a memória erodida. No falso projetor construído agora, Macchi não se importa com a imagem que surgiria na tela –sua questão é mostrar o mecanismo por trás dessa aparição, revelando forças antes insuspeitadas.

"A materialização dos raios de luz estabelece uma relação entre o projetor e a parede", diz Macchi. "Mas essa parede está à beira do colapso e tenta escapar da projeção, então há um movimento de atração e repulsa."

Mas num único –e frágil– instante, tudo parece se encaixar, e o efêmero se congela como pedra, ou tinta a óleo. Uma grande pintura também na galeria é a visão passageira de uma rua vista através das letras vazadas da porta de um restaurante na Alemanha.

"Essa é a porta vista do lado de dentro", conta Macchi. "O espectador está desse mesmo lado, no interior, mas tudo que importa está lá fora. Essa é a entrada para uma pessoa que não está nesse espaço, então a tela se estabelece como um limite. É essa espécie de encadeamento de paradoxos que me interessa."

JORGE MACCHI
QUANDO de seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., 10h às 17h; até 16/7
ONDE galeria Luisa Strina, r Pe. João Manuel, 755, tel. (11) 3088-2471
QUANTO grátis


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