Folha de S. Paulo


Diretor deixa novela de lado e retoma romance para levar 'Gabriela' ao teatro

Gabriela talvez seja o personagem da literatura brasileira mais familiar a todo mundo. Culpa de Sonia Braga, que deu vida, em novela e filme, à bela cozinheira criada por Jorge Amado. Daí cresce o desafio de João Falcão, diretor de "Gabriela, um Musical", que estreia nesta quinta (9) em São Paulo, e da protagonista, a estreante Daniela Blois.

"Eu quase chamei o musical de 'Gabriela de Jorge Amado', por ter voltado ao romance. E, quando você retoma o livro, percebe como ele é rico."

É o livro de Jorge Amado do qual Falcão mais gosta. "É muita história boa, muito personagem bom. É meio o 'Amarcord' do Jorge Amado', diz, referindo-se ao filme que Federico Fellini dirigiu em 1973, sobre a vida de uma pequena cidade costeira nos anos 1930.

Falcão lembra que Amado era uma criança em Itabuna, em 1925, e o livro vem das recordações do menino. "A história política opõe os coronéis, donos de terras conquistadas a tiro, representados na figura de Ramiro Bastos, ao novo, que surge nas ascensão de Mundinho Falcão, que chega a Ilhéus para viver ali e se envolve na política." Pela primeira vez, os coronéis começam a ter derrotas e as pessoas passam a questioná-los.

"Gabriela entra quase na metade do livro", segue Falcão. "Além da trama política, tem a história das outras mulheres, tem a Glória, sustentada pelo amante, que fica na janela. Tem a Malvina, menina rica criada para se casar, mas que se rebela contra isso e se transforma num certo tipo de feminista. Tem a Sinhazinha, mulher assassinada pelo marido, por ter saído dos padrões. Tudo transcorre em um ano de transformações políticas e sociais. É preciso contá-las, e fazer isso com música."

Para ajudá-lo, entre 700 candidatas Falcão escolheu Daniela Blois (pronuncia-se "bloá"). Paraense de Porto Trombetas, cidade de 7.000 habitantes, foi estudar medicina em Manaus. Cantava com amigos e não tinha experiência como atriz, exceto a participação no curta de uma amiga. Agora, inevitavelmente será comparada a Sonia Braga.

"É normal que se compare, Sonia marcou muito na novela, a coisa sensual. Mas não busquei por ela como referência. Peguei o livro e li", diz a agora atriz. Ela tem 26 anos, mas parece mais nova. No palco, canta de maneira fácil, intuitiva. "Só fui ter aulas agora, depois de selecionada."

"Eu me formei no dia 4 de dezembro, e no dia 10 me ligaram para avisar que estava selecionada para 'Gabriela'. Minha vida mudou completamente. Quando chegou a noite do baile de formatura, eu já era Gabriela. Fui a atração do baile, os professores queriam tirar foto comigo."

A equipe do musical ganhou de tabela uma médica para emergências. "Preciso fazer meu carimbo para assinar receitas. Já atendi colegas do elenco com amigdalite e dores musculares."

EXPERIMENTAÇÃO

Nos ensaios de "Gabriela, um Musical" foi possível ver três características básicas da montagem concebida por João Falcão, encenador consagrado por trabalhos como "A Máquina", "A Dona da História" e "Gonzagão, a Lenda".

Estão lá uma cenografia nada naturalista –algo que reforça o distanciamento das versões anteriores da história para TV e cinema–, a garra de um elenco jovem e pouco conhecido –marca do diretor, que revelou entre outros Wagner Moura e Lázaro Ramos– e uma trilha sonora garimpada no melhor da MPB, de Caymmi a Marisa Monte.

Mas talvez a grande força de "Gabriela" pulse fora das duas horas e meia de espetáculo. Aparece antes do pano abrir, durante semanas, nos métodos singulares de Falcão ao conceber suas peças.

Na conversa com o diretor, fica evidente sua vontade de trabalhar com atores abertos à experimentação, à mudança constante de texto, de rumo da história e até do personagem que será interpretado.

Os atores foram se revezando em personagens diferentes durante a preparação. "Eu gosto de ver o que cada ator pode oferecer para cada papel", explica Falcão. Seus atores encaram imersão total, e talvez essa exigência justifique por que o diretor não trabalhe muito com artistas muito requisitados, com compromissos na TV ou no cinema.

Daniela Blois fala sobre os ensaios: "Só eu tinha personagem definida. A gente começou sem saber quem faria qual papel, menos eu. Mas em um dia rolou até de outras meninas fazerem Gabriela, para que eu pudesse ver como elas entravam no personagem e pudesse descobrir outras formas de entendê-la".

Com Falcão o processo nunca acaba. Essa frase, ouvida de mais de um ator, resume o que o produtor inglês Kevin Wallace quer levar para o teatro de outros mercados.

Parceiro do mítico autor inglês Andrew Lloyd Webber e produtor, entre outros, da montagem no palco de "O Senhor dos Anéis", Wallace conheceu Falcão há anos.

Dono dessa ideia de montar um musical aqui para "exportação", ele acompanhou a preparação da peça no Brasil ao lado da produtora brasileira Almali Zraik. Wallace é fascinado pelos métodos de Falcão, e é essa experiência de concepção que quer levar para o exterior.

Para embalar "Gabriela", Falcão escolheu cerca de 30 músicas brasileiras, abrindo uma lista de notáveis da MPB. A trilha, coordenada pelo músico Tô Brandileone, do grupo 5 a Seco, tem Milton Nascimento, Martinho da Vila, Tom Jobim, Caetano Veloso e outros, de Lulu Santos a Marisa Monte. É dela "Vilarejo", que abre o musical com muito impacto.

GABRIELA, UM MUSICAL
QUANDO quintas e sextas, às 21h; sábado, às 17h e 21h; domingo, às 18h; até 7/8
ONDE Teatro Cetip, r. dos Coropés, 88, tel. (11) 4003-5588
QUANTO de R$ 60 a R$ 190, pelo site www.ticketsforfun.com.br
CLASSIFICAÇÃO livre


Endereço da página:

Links no texto: