Folha de S. Paulo


Rock in Rio pede R$ 8,8 milhões via lei Rouanet para show sem público

Captar R$ 8,8 milhões via lei Rouanet para um evento restrito a convidados. Esta é a proposta enviada ao Ministério da Cultura pela Rock World, produtora do Rock in Rio, para custear o Amazônia Live, um show em um palco flutuante montado no rio Negro, em Manaus, agendado para ocorrer em 27 de agosto.

O evento será fechado a 200 jornalistas e formadores de opinião, diz o texto do projeto. A assessoria da produtora, contudo, ressalta em nota: o público poderá acompanhar, por telões espalhados por Manaus e pela transmissão do Multishow, as apresentações do tenor lírico Plácido Domingo ao lado da Orquestra Amazonas Filarmônica e do Coral do Amazonas.

O caráter restritivo é proibido pela lei Rouanet, que veda a concessão de incentivo a eventos que estabeleçam limitações de acesso, lembra o advogado Fábio de Sá Cesnik, presidente da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo e membro da Comissão de Direito às Artes da OAB-SP.

"Mesmo com a transmissão por telões e na TV, eles não poderiam criar restrição de acesso no evento principal [a apresentação em si]", diz. "Se, no show, respeitassem a distribuição estipulada pela lei [em que até 20% dos acessos podem ser destinados a patrocinadores e ações de divulgação, reservando o restante ao público], não teria problema."

A Rock World afirma que "o evento foi todo estruturado para a retransmissão via web e TV, e atingirá milhões de pessoas no Brasil e exterior, atendendo a demanda da lei" (leia texto ao lado).

R$ 60 MIL EM TOALHAS

O projeto está em discussão na pauta da atual reunião da Cnic (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura), que vai até quinta (9). Por ora, não pode captar patrocínios. Mas já recebeu dois pareceres.

O primeiro parecerista, que foi favorável ao projeto, reduziu o valor para R$ 5,4 milhões. O segundo, contrário, diminuiu para R$ 3,8 milhões. Ambos fizeram cortes de itens como toalhas (R$ 60 mil) e aluguel de equipamento de sonorização (R$ 200 mil).

Também foram feitos cortes em rubricas como cachês de artistas (de R$ 1,2 milhão para R$ 130 mil) e de um arranjador para três jingles (de R$ 150 mil para R$ 30 mil). O cachê da produção caiu de R$ 211 mil para R$ 82 mil.

A proposta do Amazônia Live chega ao MinC num momento em que a lei Rouanet é alvo de críticas. No fim de maio, foi protocolado na Câmara dos Deputados requerimento para abertura de CPI que pretende apurar supostas irregularidades na concessão de benefícios fiscais por meio da lei de incentivo.

Também no fim de maio, o delegado da Polícia Federal Eduardo Mauat, da força-tarefa da operação Lava Jato, encaminhou ofício ao Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle solicitando detalhes sobre os cem maiores captadores de recursos na última década. O pedido, contudo, foi anulado pelo juiz Sérgio Moro.

OUTRO LADO

Procurada pela reportagem, a produtora Rock World, por meio de sua assessoria, informou que o Amazônia Live "foi construído para chamar atenção internacionalmente para a causa da devastação da Amazônia" e, por isso, idealizado para ocorrer "em local que traduza esse ambiente de floresta e magia para impactar a opinião pública internacional".

Questionada sobre a contradição de usar isenção fiscal –portanto, verba pública– para um evento fechado, sem participação popular, a organização afirmou que "o evento foi todo estruturado para a retransmissão via web e TV". Segundo a assessoria, "não se trata de um show musical, mas de uma plataforma de captação de som e imagem".

A Rock World afirmou ainda que o evento "não é um show como os outros, para ser assistido no local" e que "nunca foi esse o objetivo, pois seria inviável, no meio da floresta, essa operação".

Por fim, a produtora disse que não cabe questionamento sobre o enquadramento do evento na lei Rouanet pois, "caso contrário, a proposta não seria sequer transformada em projeto pelo MinC".

*

O FESTIVAL E A LEI Outras controvérsias do Rock in Rio com a Rouanet

INGRESSOS A SERVIDORES DO MINC

Em outubro de 2011, a Controladoria-Geral da União revelou que o MinC havia ganhado ingressos e repassado a servidores do órgão, inclusive da secretaria responsável pela gestão da Rouanet

ENTRADA MAIS CARA

Em 2015, a Rock World devolveu R$ 4 mi ao MinC depois que a Folha revelou cobrança irregular no ingresso daquela edição. A entrada estava R$ 90 mais cara que o valor aprovado na Rouanet

PROIBIÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Em fevereiro, o TCU determinou ao MinC que não aceite projetos altamente lucrativos após estudo de caso do Rock in Rio 2011, que gerou isenção de R$ 2 mi apesar do "altíssimo potencial lucrativo"


Endereço da página:

Links no texto: