Folha de S. Paulo


Com venda recorde, Primavera Sound se destaca entre os festivais de música

O Primavera Sound é estranho. Não é abarrotado de gente com roupas exuberantes nem sofre da epidemia das selfies em momentos inoportunos, um fenômeno cada vez mais brasileiro. O Primavera Sound é um festival de música.

Mas, ao mesmo tempo em que se consolida como um dos maiores eventos do gênero no mundo, com programação que combina nomes celebrados e apostas, o Primavera também já sofre as consequências de seu sucesso.

Cresce espaço para bandas indie brasileiras no festival

Em sua 16ª edição e reunindo 157 artistas entre os dias 1º e 5 de junho, o festival funciona como uma espécie de conto de fadas da Cinderela. Quem chega cedo se diverte com bandas pouco conhecidas em um cenário próximo ao mar, movimenta-se sem problemas no caminho entre os 13 palcos da programação principal e não encontra grandes filas para as barracas de comida.

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Thom Yorke, vocalista do Radiohead, em show no festival Primavera Sound, em Barcelona, no dia 3 de junho de 2016 FOTO Eric Pamies/Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Thom Yorke, vocalista do Radiohead, em show no Primavera Sound, em Barcelona, no dia 3 de junho

Já quando a noite chega –e nessa época do ano o Sol se vai por volta das 21h–, circular pelo Parc del Fòrum fica complicado, comer se torna um desafio e há uma proliferação de pessoas em estado de sobriedade discutível, principalmente britânicos, que enxergam Barcelona assim como os recém-formados no ensino médio encaram Porto Seguro (BA): um lugar para bebedeira e drogas.

São reflexos de um evento que se expandiu de maneira impressionante. Segundo a organização, o público de 2016, considerando também as apresentações montadas em outros pontos da cidade, ultrapassou a marca de 200 mil pessoas. O número é 26 vezes maior do que o da primeira edição, realizada em 2001.

E este ano, segundo o "El País", teve recorde de vendas: foi a primeira vez que os ingressos se esgotaram com quatro meses de antecedência.

O Primavera Sound, porém, é um festival de música, e trazer o LCD Soundsystem, grupo nova-iorquino que descontrolou festas na década passada, e o Radiohead, atualmente a banda de rock mais relevante do mundo, não é pouco.

No sábado (4), o evento ainda recebeu o beach boy Brian Wilson, que não só tocou o clássico pop "Pet Sounds" na íntegra, como fez da paisagem praiana de Barcelona uma Califórnia sessentista ao emendar faixas como "Surfin' USA" e "Don't Worry Baby".

O registro, histórico, foi eclipsado por uma apresentação sem brilho, na qual o autor de obras de arte da música pop como "God Only Knows" parecida deslocado, com o olhar muitas vezes perdido em algum lugar no passado de abuso de drogas, remédios, e a infância traumática devido ao pai violento.

Sentado em frente a um piano de cauda, Wilson pouco tocou o instrumento e viu Al Jardine, membro original dos Beach Boys, e seu filho, Matt Jardine, cuja voz impressiona pela similaridade à do pai, roubarem o show.

Em outro polo, PJ Harvey, destaque do sábado (4), não fez um show, mas uma performance. Exuberante e teatral –desde a chegada dos músicos, como se fosse uma banda militar, até o fim, quando foram embora marchando–, a cantora britânica tocou repertório baseado em seu álbum mais recente, "The Hope Six Demolition Project", sem deixar canções como "Down By the Water" e "To Bring You My Love" de fora.

No segundo pelotão de destaques, o Air, que vem ao Brasil em novembro, combinou hits como "Sexy Boy" e "La Femme d'Argent" a um palco elegante, no qual cinco caixas de LED coloriam os músicos. Quando as luzes estavam desligadas, as peças do cenário do duo francês refletiam a paisagem do festival que recebeu o LCD Soundsystem pela primeira vez há 13 anos, como lembrou o vocalista e criador da banda, James Murphy.

Sob um globo de espelhos gigante, o grupo de batidas dance e vocais ora tranquilos ora raivosos voltou de um hiato de cinco anos com a mesma intensidade que o marcou. A tríade "Us vs. Them", "Daft Punk Is Playing at My House" e "I Can Change" abriu um show que se manteve firme até o fim, mesmo com o baixo volume das principais apresentações, reclamação constante do público.

"New York I Love You But You're Bringing me Down", por exemplo, cuja introdução tem um piano sutil e frases quase sussurradas, foi um grande nada até a canção crescer e ganhar outros instrumentos. "Dance Yourself Clean" e "All My Friends" completaram uma apresentação repleta de músicas conhecidas.

VIDEOCLIPES

Os telões, diferentemente das transmissões que apenas registram os shows de maneira documental, exibiam lindas imagens, com desfoques e efeitos, como se fossem videoclipes editados ao vivo. Uma exceção foi durante o show do Radiohead, na sexta (3), no qual as telas replicavam os vídeos do cenário do quinteto de Oxford.

Principal nome do Primavera Sound, a banda fez um show à altura de sua grandeza, enquanto as 55 mil pessoas que assistiram à apresentação estavam conectadas igualmente a todas as fases do grupo, seja ao passado de canções pop ou ao hermetismo dos álbuns mais recentes.

Ao vivo é possível notar que, além do magnetismo de Thom Yorke, o que empurra o Radiohead são as linhas de baixo de Colin Greenwood e a bateria de Phil Selway, imprescindíveis para criar a atmosfera das canções. O combo inicial –"Burn the Witch", "Daydreaming", "Decks Dark", "Desert Island Disk" e "Ful Stop"–, todas do novo álbum, "A Moon Shaped Pool", ainda ganharão a mesma dimensão de clássicos como "Everything in Its Right Place" e "Lotus Flower" –a faixa da dancinha descontrolada de Yorke, reproduzida no show.

Ainda assim, as faixas de "OK Computer", disco de 1997, foram as mais celebradas. "No Surprises", "Paranoid Android" e, principalmente, "Karma Police", que terminou com um coro da plateia gritando "I lost myself" repetidas vezes, só não foram superadas pela apelação que é tocar "Creep" para fechar o show.

A versão lusitana –e reduzida– do Primavera Sound, no Porto, ocorre entre os dias 9 e 11 de junho.


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