Folha de S. Paulo


Esculturas de Lego estarão em mostras com toneladas de pecinhas em SP e Rio

De terno e gravata, cada fio de cabelo no lugar, Nathan Sawaya tem mesmo cara de advogado. Na fala calculada, como se tivesse decorado cada frase, está outro resquício de seus tempos de engomadinho em Nova York, onde defendia gigantes corporativos.

Mas, fora a aparência e o talento para os negócios, tudo isso parece ter ficado para trás na vida desse americano que largou tudo para brincar de Lego –ou melhor, fazer esculturas com as pecinhas de plástico colorido.

Na última década, Sawaya virou o "artista dos tijolinhos", incensado pelos talk shows matinais nos Estados Unidos por alçar à condição de arte contemporânea esses bloquinhos que desde os anos 1930 vêm despertando pelo mundo todo o lado arquiteto de milhões de crianças –e adultos vítimas do tédio, da nostalgia ou dos dois.

Universais e midiáticas como as pecinhas de encaixar, as esculturas de Sawaya também já rodaram o planeta. Depois de passar por mais de 80 museus, da Austrália à África do Sul, além de China, Israel, Holanda e França, suas toneladas de plástico chegam em agosto à Oca, em São Paulo, e vão depois ao Museu Histórico Nacional, no Rio, em novembro.

Na semana passada, Sawaya abriu outra exposição, quase uma prévia de sua primeira mostra brasileira, no Pacific Science Center, um centro cultural em Seattle cheio de arcos metálicos futuristas, uma visão tão fantástica quanto seus sonhos de Lego.

Enquanto seus assistentes limpavam o pó das esculturas com uma escova, pecinha por pecinha, Sawaya desfilava pelos corredores tirando selfies com a equipe na montagem.

Sentado diante de um enorme autorretrato feito só de blocos vermelhos, manifestação confessa de seu narcisismo em versão de brinquedo, Sawaya disse que descobriu o sentido da vida quando decidiu recriar o mundo com essas pecinhas.

"Não há nada que não possa ser feito de Lego, acredito nisso de verdade", diz o artista. "Quando passei a montar essas coisas, era como se o mundo todo estivesse se ajeitando, entrando no lugar."

INVENTANDO CURVAS

Olhando as 5 milhões de pecinhas de Lego empilhadas em seus ateliês em Nova York e Los Angeles, não demorou para Sawaya perceber que reinventar o universo com bloquinhos retangulares esbarraria no fato de que as formas arredondadas de pessoas e bichos não se prestam tão fácil a uma matéria prima de ângulos retos.

Também viu que era impossível juntar uma pecinha azul com outra amarela, por exemplo, para chegar ao verde, como faria qualquer pintor.

Desafiando os limites, ou mesmo ironizando grandes obras da história, uma ala inteira de sua mostra recria clássicos como o "Davi", de Michelangelo, a "Mona Lisa", de Da Vinci, e mesmo o "Grito", de Munch, só com bloquinhos.

Essas pinturas e esculturas renascem meio tortuosas, ou com "pixels 3D", como ele gosta de dizer, num estranho malabarismo visual para aproximar sua obsessão por Lego a algo com cara de arte.

Mais do que na superfície, há em alguns casos uma semelhança estrutural com as esculturas clássicas que recriou. Da mesma forma que Michelangelo escorou seu musculoso Davi num tronco de árvore atrás de sua batata da perna para que o peso do mármore não derrubasse o herói, Sawaya descobriu que sem um apoio o homem de Lego também não parava em pé.

Nas pinturas, no entanto, a coisa é mais complicada. Embora de longe, quando fotografadas pelo celular, algumas até enganam como fundo desfocado de selfie, na vida real os bloquinhos de plástico não têm a mesma desenvoltura.

"Não diria que alguma delas é exata a ponto de servir de réplica do original", diz Sawaya. "São só homenagens."

Mesmo assim, no maravilhoso e elástico mundo da arte contemporânea, Sawaya, já encontrou seu espaço. Tem filas de colecionadores que encomendam retratos dos filhos em versões de Lego e já teve uma obra vendida pela Sotheby's, uma das maiores casas de leilão do mundo.

Uma vez chancelado por parte do circuito, criou até um vestido de Lego para Lady Gaga num clipe em que a cantora repetia que a arte é pop e o pop é arte, alinhada com o discurso de Sawaya em defesa de seus bloquinhos.

"Quando comecei, parecia que as galerias estavam batendo a porta na minha cara", diz Sawaya. "Não pensavam no conceito de arte de Lego. Acho que estavam pensando mais numa loja de brinquedos e não em obras que tivessem emoção, ou algo a mais."

Sawaya, aliás, passa longe das lojas de brinquedos. Ele trabalhou para a Lego, criando um kit para a marca, mas depois tomou distância para se firmar como um artista. E faz questão de dizer que paga pelas pecinhas –em dez anos, sua conta já passa dos R$ 3,5 milhões.

O jornalista viajou a convite da Ring Empreendimentos Culturais


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