Folha de S. Paulo


Medo de crítica era paralisante, diz fenômeno Jout Jout, que lança livro

"Não tem ninguém vendo isso", diz Julia Tolezano a si mesma enquanto toma fôlego e busca conforto para gravar um vídeo –conforto sobretudo psicológico. A niteroiense, então com 23 anos, tinha pavor de críticas e quase nunca deixava que as pessoas vissem seus escritos ou qualquer coisa que produzisse.

"Quando o Caio [Franco, namorado de Julia] lia algum texto meu, eu chorava, eu botava um casaco no rosto dele para não ver as expressões faciais", diz. "Era paralisante."

O vídeo foi um exercício para combater a fobia. Acabou publicado no YouTube em 12 de maio de 2014, após muitas dúvidas sobre se deveria ou não mostrá-lo ao mundo.

Foi o primeiro dos 205 veiculados até o momento em seu canal, "Jout Jout Prazer". Hoje, com 857 mil inscritos para acompanhá-la, Julia não pode mais dizer "não tem ninguém vendo isso". E agora, com o livro "Tá Todo Mundo Mal", lançado em maio pela Companhia das Letras e já nas listas dos mais vendidos –com tiragem inicial de 30 mil exemplares–, também não pode colocar um casaco no rosto de todo leitor.

A obra é uma coleção de crises que marcaram os 25 anos de Jout Jout. Há ali, por exemplo, a lembrança da infância, quando a mãe dizia que logo arrumaria um príncipe encantado nas festas dos amigos –ideia que acabava por deixar a menina frustrada, pois nunca encontrava o sujeito.

Ao lembrar de seus próprios fracassos, Julia busca desconstruir lugares-comuns do discurso e do comportamento –não, você não é especial como diz sua mãe. A moral: ninguém está imune a momentos ruins.

Tá Todo Mundo Mal
Jout Jout
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"É muito chato você ficar lendo sobre as vitórias de uma pessoa, [e pensar] 'ah, tá, foda-se, grandes vitórias, caguei'. Mas quando você lê sobre as crises de alguém, você fica reconfortado, fala 'ah, isso já aconteceu comigo e que bom que não foi só comigo'", explica Julia, cujo maior fracasso, diz, foi não ter passado em produção editorial na Universidade Federal do Rio de Janeiro por ter zerado a prova de química.

TÁ TODO MUNDO MAL
AUTORA Jout Jout
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 29,90 (200 págs.)

*

Leia trecho do livro:

Sabe quando você é livre e pode escolher entre qualquer coisa no mundo, mas acaba ficando em casa, no quarto, no escuro, porque são opções demais? Pois bem.

Um dia estava indo com Caio para Monte Verde e paramos em um restaurante na estrada. O estacionamento devia ter umas cinquenta vagas e apenas cinco estavam ocupadas. Isso significou de dez minutos da nossa vida tentando escolher a melhor vaga. a gente entrava em uma, via outra mais fácil de parar, ia até ela, avistava outra mais perto do restaurante, parava, depois via uma na sombra e corria atrás dela, depois outra perto de uma roseira –e assim vimos a vida escorrer pelas nossas mãos. quando conseguimos finalmente estacionar, fui ao banheiro, que tinha doze cabines. Todas vazias. Quase me mijei. (...)

Escolher esmalte, profissão, sabor de pizza, cadeira em cinemas vazios, lugar em um ônibus que tem duas pessoas –tudo isso é uma tortura tão insuportável que você fica presa num limbo de liberdade excessiva, com a sensação de que sua vida vai parar ali e que dali não tem como sair. (...)

Até chegar um virginiano e decidir tudo para você. Mas até lá, meus Deus, que dor.


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