Folha de S. Paulo


Em novo álbum, Clarice Falcão canta personagens fortes e nada fofas

Clarice Falcão é uma falsa fofa. Seu primeiro CD, "Monomania" (2013), era uma sucessão de baladas, que ela cantava em shows com um angelical vestido branco.

Mas a personagem das letras era uma obcecada capaz de invadir o computador do amado, persegui-lo e até mesmo matá-lo. No novo álbum, "Problema Meu", produzido por Kassin, já são diversificados os tipos femininos, mas todos econômicos em fofura.

A moça de "Deve Ter Sido Eu" planeja a morte da atual do ex. A de "Eu Escolhi Você" assim declara seu afeto: "Na minha vida já existiram/ Cinquenta opções de amor/ Quarenta e nove desistiram/ E você foi o que sobrou".

"Não sou nem um pouco fofa. Sou uma péssima pessoa", diz a pernambucana radicada no Rio de Janeiro, com o humor gauche já conhecido por quem acompanha, na internet e na televisão, os vídeos do Porta dos Fundos.

Ela comenta que o contraste entre forma e conteúdo proposto no primeiro CD não foi compreendido por todos —o que não surpreende numa época em que se leva a sério, por exemplo, uma brincadeira de Chico Buarque dizendo que compra músicas.

Em vez de uma só personagem, ela agora oferece várias —em gêneros musicais variados. Em comum, são um tanto patéticas. Mas, desta vez, há as que estão por cima, como em "Eu Escolhi Você", "Irônico", "Eu Sou Problema Meu" e "Como É que Eu Vou Dizer que Acabou".

"Adoro humor de gente por baixo, é o meu preferido. Mas, também, é o mais fácil de fazer. A história do perdedor é sempre mais interessante, porque ele está no lugar da vulnerabilidade. Escrever sobre vencedor é difícil", diz.

FEMINISMO

Criar mulheres mais fortes está ligado ao interesse crescente de Clarice pelo feminismo, explicitado no clipe que fez da sua versão (não incluída no álbum) de "Survivor", hit de Beyoncé.

Em "Vagabunda", ela pratica de modo peculiar o conceito de sororidade, que é a aliança entre mulheres: a ex de um rapaz chama a atual para tomar um chope.

Mas as vingativas não sumiram. A de "Vinheta" parece praguejar em "fluxo de pensamento", forma de que Clarice tanto gosta: "Que você foi atropelado/ levantou cambaleante/ deu de cara com um poste/ e quebrou quatorze dentes/ e aí foi assaltado por três caras gigantescos/ e na hora de sair foi atropelado novamente/ Acordou com amnésia em um hospital distante/ Amor, tomara que você esteja bem".

Nem a fossa sumiu. Está, por exemplo, em "Se Esse Bar Fechar" e "L'Amour Toujours (I'll Fly with You)", sucesso do DJ italiano Gigi D'Agostino que Clarice, hoje com 26 anos, ouvia na pré-adolescência.

"Eu ficava do lado do Micro System esperando tocar nas sete mais da Jovem Pan", recorda-se a cantora.

As outras composições alheias são "A Volta do Mecenas", de Matheus Torreão, e "Banho de Piscina", de seu pai, o dramaturgo e diretor João Falcão —a mãe é a escritora Adriana Falcão.

Não há fofura na família Falcão: "Eu quero ver você/ Numa piscina de óleo fervendo/ Pedindo socorro e eu te oferecendo/ Uma dose de rum pra você se esquentar".

Letras assim combinam com o que ela já começa a ver como um estilo. Na última faixa, "Clarice", brinca com as críticas de que não toca bem violão, que suas melodias são simples e suas letras "não são chiques".

"Sou cruel comigo. Mas, em algum lugar, tenho algo a oferecer, tanto que as músicas comunicam de alguma forma", conta ela. Seus shows lotam, mas é claro que a popularidade ainda vem mais do Porta dos Fundos —grupo do qual Clarice se afastou temporariamente para se dedicar à música e a outros projetos.

E ser popular, no Brasil, é também apanhar nas redes sociais, ainda mais se dizendo feminista e chamando impeachment de golpe. "Quando começou essa polarização política, os ataques eram mais ao Gregorio [Duvivier, colunista da Folha e seu ex-marido], eu pegava a rebarba. Agora é diretamente para mim", comenta.

"Como estou do lado que quero estar, não me incomoda muito. E, se a pessoa que está me xingando tem um avatar 'diga sim ao golpe', não me preocupo. Eu me preocuparia se ela gostasse de mim."

LUIZ FERNANDO VIANNA é autor de 'Aldir Blanc - Resposta ao Tempo' (Casa da Palavra).

PROBLEMA MEU
ARTISTA Clarice Falcão
GRAVADORA independente
QUANTO R$ 30


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