Folha de S. Paulo


Restituição do MinC e diálogo com novo ministro dividem classe artística

Com a restituição do Ministério da Cultura, a classe artística está dividida. De um lado aqueles que se dispõem a dialogar com o novo ministro. Do outro, aqueles que consideram que sentar à mesa com o novo ministro, Marcelo Calero, é legitimar um governo que, para eles, é ilegítimo.

Nesta terça (24), o movimento Ocupa MinC divulgou nota onde repudia entidades representantes de grupos da classe artística que disseram que vão dialogar com o novo ministro, Marcelo Calero: a APTR (Associação de Produtores de Teatro), o Procure Saber e o GAP (Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música).

Para o movimento, trata-se de iniciativa "oportunista e corporativista", feita "à revelia da grande mobilização nacional dos mais diversos segmentos da diversidade cultural".

Alan Marques/Folhapress
O presidente interino Michel Temer (PMDB) e p secretário nacional de Cultura, Marcelo Calero
O presidente interino Michel Temer (PMDB) e o Ministro da Cultura, Marcelo Calero

"Repudiamos qualquer apoio ou tentativa de diálogo por parte da APTR (Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro), do Procure Saber, do GAP Pró-Musica (Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música) e de qualquer outra entidade, segmento ou artista que venha a negociar com esse governo golpista, utilizando-se da luta plural e democrática travada nas Ocupações. A história lhes reservará espaço ao lado dos usurpadores da democracia!", diz a nota.

Prédios ligados ao MinC seguem ocupados em ao menos 18 capitais. O movimento Ocupa MinC repudia o governo interino como um todo e não aceita qualquer tipo de diálogo. Ele tem o apoio de nomes de peso.

"Diante da minha posição de julgar ilegítimo o todo desse governo, prefiro não me apegar à parte (MinC), que, sabemos, só existe como ministério por pressão. Os que consideraram dialogar com o esse governo legitimam algo em que não acredito. Não concordo", diz Camila Pitanga.

"Vejo o governo interino como ilegítimo. E falo isso por muitas razões. Destaco três delas, que são a nebulosidade dos motivos que sustentam esse impeachment, a mudança ideológica de 180º que esse plano de governo representa em suas propostas (uma ponte para o passado), jamais referendado pelo povo brasileiro nas urnas, e pelas primeiras medidas e equipe de trabalho, que reforçam, e muito, as duas anteriores. Vide a desconsideração da necessária representatividade democrática que não vemos nos empossados", diz Pitanga.

"A legitimidade desse Ministério da Cultura é a mesma do governo do qual ele faz parte: nenhuma. Temer erra se acha que vai comprar o apoio da classe artística ressuscitando o MinC. Não à toa seu convite para o ministério foi recusado por todo e qualquer representante da classe. Esse governo é uma farsa e a existência de um Ministério da Cultura não o torna mais legítimo", diz o humorista do Porta dos Fundos e colunista da Folha Gregorio Duvivier.

"Há um esforço por parte desses produtores e artistas que estão legitimando o [ministro da Cultura] Calero de isolar a cultura do resto da sociedade brasileira. Isso, em primeiro lugar, já é um entendimento muito problemático do que é a cultura. A cultura deveria ser, justamente, a instância onde se pensa a totalidade dos fenômenos sociais", diz o ex-presidente da Funarte, Francisco Bosco.

"Eu acredito que o Calero vai operar no governo Temer como uma espécie de ilha. Vai tentar fazer uma gestão parecida com a que fez na Secretaria [de Cultura do Rio]. Foi uma boa gestão, inclusiva, e que tem a ver com a gestão [Gilberto] Gil e Juca [Ferreira]. Ele vai tentar fazer com que um campo isolado da cultura legitime um projeto que não tem nada de inclusivo, democrático, republicano. É uma espécie de simulacro você manter essas políticas dentro de um governo todo regressivo do ponto de vista de uma sociedade mais diversa e inclusiva."

"Os setores que defendem Calero não se importam com um ministério de orientação liberal porque vão saber fazer pressão e ganhar os dividendos. Não é à toa que são, também, os que são contra a reforma da lei Rouanet. A APTR, certamente. Mas tem um contingente de atores sociais que só se tornaram postuladores de políticas públicas com o MinC de Gil e Juca. A esses não interessa se é um ministério forte porque um de orientação liberal não os contempla. Não querem qualquer MinC", completa.

Em um vídeo publicado na página do movimento na internet na última segunda (23), Marieta Severo, Enrique Díaz, Mariana Lima, Patrícia Pillar, Andréa Beltrão, Otto, Soraya Ravenle e outros artistas famosos manifestam apoio aos protestos.

"A luta pela democracia não tem data para terminar", diz Marieta no vídeo, editado pelo grupo Mídia Ninja.

Na última quarta-feira (19), Andréa Beltrão disse à Folha que sua posição pessoal é contrária a qualquer sinal de legitimação do governo.

"É um momento de crise aguda para a cultura. As pessoas estão tentando fazer o que podem, afinado com o discurso de cada um. Não é hora de condenação, de fazer julgamento de valor, mas eu acho que o melhor a fazer é não legitimar esse governo que está aí. Eu não aceito essa troca. Essas pessoas que estão lá não me representam. Vamos resistir bravamente. Não tem problema termos opiniões divergentes, não acho que é preciso ter um discurso único. Mas é preciso uma atitude única e poderosa."

Servidores da cultura foram a Brasília nesta terça para a posse de Calero. Luciana Muniz, presidente da Associação de Servidores da Biblioteca Nacional, disse à Folha que eles conversariam com o novo ministro. "Dialogar não significa apoiar, significa abrir espaço para entender o que está acontecendo e que caminhos esse ministério vai tomar. Estamos num processo de encontrar consenso, mas seremos críticos, como éramos no governo Dilma, e vamos permanecer nas nossas pautas."


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