Folha de S. Paulo


Com filmes sobre os Stooges e Clash, Festival de Cannes teve boa trilha punk

Tom Copi/Divulgação
iggy (à esq.) e os Stooges no documentário 'gimmeShelter', de Jim Jarmusch
Iggy Pop (à esq.) e os Stooges no documentário 'Gimme Danger', de Jim Jarmusch

Cannes é sinônimo de ostentação, elitismo cultural e glamour. Tudo que o movimento punk abominava quando engatinhou no fim dos anos 1960 e dominou a música na década seguinte.

Mas a 69ª edição do mais importante festival de cinema do mundo, encerrada no último domingo (22), teve uma inesperada trilha sonora punk rock, provando que o renascimento do gênero não se restringe às camisetas de butique do Ramones.

Obviamente que não estamos falando da Londres de Sex Pistols, Clash, revoltas e do desemprego nas alturas.

A atriz Kristen Stewart, que virou a musa do festival com dois filmes, "Café Society", de Woody Allen, e "Personal Shopper", de Olivier Assayas, chegou à Croisette de casaco de couro, calça xadrez, gorro preto, tênis vintage —mas complementou o visual rebelde com uma bolsa da Chanel.

O punk chique de Stewart deu lugar ao protopunk mais raivoso e real com "Gimme Danger", documentário de Jim Jarmusch sobre a banda The Stooges. Com direito a um Iggy Pop de terno, porém descamisado, desfilando no tapete vermelho do Palais des Festivals sob o som de "Search and Destroy", um dos hinos mais destrutivos do quarteto.

A letra da canção traz Iggy vociferando que é "o garoto que o mundo esqueceu". Mas Jarmusch e Cannes trataram de lembrar. "Gimme Danger" é uma homenagem, quase um memorial, a uma banda que só tem o vocalista vivo: apesar de já terem morrido, os demais integrantes foram capturados pelo diretor, que tentava completar o filme havia quase uma década.

O longa é guiado pela memória de elefante de Iggy, um acerto de Jarmusch, que já trabalhou com o músico em "Homem Morto" (1995) e "Sobre Café e Cigarros" (2003).

Acompanhamos "a iguana" em suas descobertas musicais em Chicago ("Ali, sentado na beira do rio, descobri que não era negro") até a parceria com David Bowie, que culminou com a produção do terceiro e último disco da banda original, "Raw Power" (1973).

Mas o filme não dá muita atenção às brigas e aos problemas com drogas que marcaram o grupo. "Queria fazer uma colagem, algo que se aproximasse da música dos Stooges, bagunçada, selvagem, emocionante e forte.

É uma carta de amor à banda que considero a maior da história", explicou o diretor em entrevista coletiva em Cannes.

"Vi o filme pela primeira vez ontem à noite e fiquei bastante afetado. Pensei: 'Oh, Cristo, sou um produto daqueles tempos'", disse Iggy.

PROVOCAÇÃO

A passagem do músico por Cannes provocou até um diretor na competição, o dinamarquês Nicolas Winding Refn, que exibiu seu horror-fashion "The Neon Demon", filme que dividiu a imprensa entre aplausos e vaias.

"Não vim para Cannes para mostrar um filme, mas para causar uma experiência. Sou o Sex Pistols do cinema, sou 'Search and Destroy', dos Stooges", disse o cineasta à Folha, no dia seguinte da exibição. "Veja as reações do público, eu destruo expectativas e reconstruo de novo, não tenho comprometimentos com nada a não ser a arte."

"The Neon Demon" possui uma aura punk em termos de descompromisso comercial, mas a obra está mais para o glam rock: Elle Fanning faz uma aspirante a modelo em Los Angeles e descobre uma fauna de modelos canibais, fotógrafos psicopatas e o próprio demônio interior.

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Cena de 'London Town'

Já no mercado de vendas de Cannes, um dos filmes mais procurados foi "London Town", que fala de um garoto de 14 anos (Daniel Huttlestone) na Londres da década de 1970 que tem a vida colocada de cabeça para baixo ao receber uma fita cassete com um disco do The Clash.

O menino fica obcecado com o grupo punk até encontrar o vocalista e guitarrista do Clash, Joe Strummer (1952-2002), vivido pelo irlandês Jonathan Rhys Meyers.

"Não é uma história real, mas poderia ser. O movimento punk confrontou o governo inglês e surgiu nos meios das revoltas em Brixton, geradas pelo sofrimento dos imigrantes. Corta para 2016 e temos uma situação parecida", diz Dougray Scott, que interpreta o pai do garoto. "Precisamos do punk mais que nunca."

O jornalista RODRIGO SALEM viajou a convite da Paramount e do festival


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