Folha de S. Paulo


'Foi simples e funcionou', diz Kleber Mendonça sobre protesto em Cannes

"Não queria nada barulhento e que soasse inadequado. Foi um ato simples e que funcionou. Fiquei tocado", disse o diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho sobre a repercussão do ato anti-impeachment feito pela equipe do longa no Festival de Cannes.

Ele comentou o protesto na coletiva de imprensa de seu filme, "Aquarius", nesta quarta-feira (18).

A estreia do filme nacional no evento francês, na tarde de terça (17), foi marcada pelo ato, encampado pelo diretor e pelo elenco, incluindo a atriz principal, Sonia Braga. A manifestação em apoio ao mandato de Dilma Rousseff (PT) teve repercussão internacional.

Antes da projeção, assim que subiu a escadaria que dá para o Palais, a equipe estendeu cartazes com dizeres como "o Brasil está sofrendo um golpe de Estado". Dentro do cinema, outros convidados brasileiros estenderam uma faixa.

"Fiquei muito tocado quando soube da repercussão. Foi um ato importante porque a mídia local é enviesada", disse o diretor, respondendo à pergunta de um jornalista do britânico "The Guardian", numa coletiva tomada majoritariamente por brasileiros.

Segundo o diretor, a ideia do protesto veio de um grupo de diretores e produtores brasileiros em Cannes. "'Os papéis têm frases curtas, que basicamente expressam o que se passa no Brasil. Hoje estamos na capa da Folha e do 'Guardian'".

"Aquarius" gira em torno de Clara (Sonia Braga), viúva sexagenária que tem de enfrentar uma construtora com planos de demolir o prédio em que ela vive, na praia de Boa Viagem, no Recife. Cercada de livros, discos e álbuns de fotos —de memória—, ela é uma pedra de resistência contra a invasão da especulação imobiliária.

O longa é o único título brasileiro na competição oficial do Festival de Cannes.

Para o diretor, é um filme sobre "resistência, sobrevivência e a energia que se gasta tentando resistir."

POLARIZAÇÃO

Sonia Braga também foi perguntada sobre o protesto. "O Brasil está dividido e isso não acontecia desde a redemocratização. Há pessoas no novo governo que são corruptas. Toda essa transição vai ser nociva à nossa democracia, que foi tão difícil de conquistar."

Mendonça Filho comentou a polarização na sociedade. "Isso está trazendo o pior dos dois lados, principalmente da direita, que está deixando vir à tona o fascismo."

Uma jornalista americana disse ter ficado intrigada com a dissociação que existe no Brasil entre a elite cultural, representada no filme por Clara, e a elite econômica, que aparece na figura do engenheiro Diego (Humberto Carrão), herdeiro da construtora.

"Ambas vêm do mesmo estrato social, mas cada vez mais pensam diferente", disse o diretor.

Sonia também comentou o status do cinema nacional e a importância da TV na cultura brasileira.

"A televisão é importante porque no Brasil as pessoas têm pouco tempo ou dinheiro para irem ao cinema. Não é por falta de sofisticação que os filmes brasileiros não são tão populares, é porque ir ao cinema acaba comprometendo o orçamento das pessoas."

Sobre estar afastada da televisão, disse que entrou com um processo na Justiça contra a Globo a respeito de direitos de imagem.

"Eles não pagam direitos aos atores quando reprisam as novelas. Quando disse que processaria a Globo, me disseram: 'Vai perder'. Eu perdi."

O jornalista GUILHERME GENESTRETI se hospeda a convite do Festival de Cannes


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