Folha de S. Paulo


Retrospectiva em museu de Nova York resgata obras de Roberto Burle Marx

Morto em 1994, aos 84, Roberto Burle Marx ganhou um obituário no "New York Times" que dizia: eis o homem "cuja marca no Brasil vai do calçadão de mosaico ondulado na praia de Copacabana aos jardins de Brasília".

Além de ser "um dos maiores paisagistas do século 20", Marx foi dono de uma carreira tão sinuosa quanto a trilha de pedras portuguesas na avenida Atlântica. E, desde sexta (6), Nova York ganhou uma retrospectiva que resgata 140 de seus trabalhos: pinturas, tapeçarias, garrafas, vitrais, joias, capas de livro, maquetes e ilustrações do "pai dos jardins tropicais".

Ele começou a carreira como pintor, sob influência de Henri Matisse (1869-1954), cubismo e Cândido Portinari (1903-1962), de quem foi assistente nos anos 1930. Fez quadros como "Mulher de Combinação Rosa" –uma negra de salto alto e pijaminha de cetim que escorrega pelo corpo e deixa um peito à mostra.

Divulgação
Roberto Burle Marx holding Heliconia hirsuta burle marx ii, one of the plant species that bears his name. ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Burle Marx segura planta Heliconia hirsuta 'Burle-marxii', batizada em sua homenagem

Essa é uma das obras que o Museu Judaico exibe até 18/9 –os próximos destinos são Berlim, a partir de julho, e, em 2017, o Museu de Arte do Rio.

Há ainda trabalhos de seis artistas contemporâneos inspirados por Marx. No lobby, cinco esculturas da carioca Beatriz Milhazes estão suspensas como medusas gigantes.

DA AMÉRICA DO SUL

Marx não é nenhum estranho aos EUA. Em 1988, a prefeitura de Miami o contratou para projetar quatro quilômetros de calçadas na Biscayne Boulevard, uma das artérias do centro da cidade.

Em 1991, Nova York recebeu sua última grande exposição sobre Marx, no MoMA. Um vídeo exibia uma entrevista com o artista já velhinho.

"As pessoas me perguntam sobre influências", diz. "Tenho influências de tudo o que vi ao longo da vida. Do homem pisando na lua, do que Einstein falava, de Donatello, Braque e Picasso."

Também viu bastante da Lapa carioca da década de 1940, que o catálogo do Museu Judaico descreve como um antro de "cabarés e prostituição fora de controle".

Paulistano, Burle Marx cresceu num casarão no Leme carioca, por onde passavam o arquiteto Le Corbusier, o romancista Stefan Zweig e o músico Heitor Villa-Lobos.

Quando o jovem Marx teve um problema na vista, a família foi a Berlim buscar tratamento. A viagem lhe abriu os olhos para "os jardins simétricos, europeus e com plantas de fora que a burguesia no Brasil importou", explica a uruguaia Claudia Nahson, cocuradora da exposição.

Divulgação
Roberto Burle Marx, mineral roof garden, Banco Safra headquarters, São Paulo, 1983 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Jardim projetado por Burle Marx para o Banco Safra

Ao longo da carreira, Marx desarranjou as linhas retas da jardinagem tradicional e incorporou elementos da flora local, como o cacto, para horror dos tradicionalistas.

Filho de alemão judeu e de brasileira católica, assinou –sobretudo no final da vida– projetos para a comunidade judaica, de sinagogas ao jardim do Banco Safra.

Marx via no paisagismo uma ferramenta para restaurar o Éden perdido –ideal transposto num desenho de 1938 para uma casa em Teresópolis, no qual mulheres nuas se banham num jardim que mais parece uma costela extraída da Mata Atlântica.

Na entrevista exibida em 1991, ele afirma que, "diferentemente de qualquer outra forma de arte, um jardim é desenhado para o futuro". "A maioria de nós, hoje, quer que um jardim pareça bonito em dez minutos porque nos mudaremos no ano que vem."


Endereço da página:

Links no texto: