Folha de S. Paulo


Nesta semana, TV exibe clássicos absolutos e revelações recentes

A programação de TV desta semana conta com clássicos absolutos do faroeste, como "Johnny Guitar", de Nicholas Ray, e "...E o Sangue Semeou a Terra", de Anthony Mann, além de ótimas produções recentes, como o drama "Timbuktu".

Entre as produções nacionais, há uma boa revelação entre as comédias: "Vai que Cola: O Filme". E um belo e raro filme mudo, "Mulher", de Octavio Gabus Mendes. Leia abaixo quais são os destaques desta semana, selecionados pelo crítico da Folha Inácio Araujo

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Jauja

SEGUNDA (9)

Às vezes acontece isto: em meio a dias de programação lamentável na televisão aparece um filme em que tudo se propõe, tudo acontece.

Vamos de brasileiro? Um dos melhores filmes de massa da última geração, "Vai que Cola: O Filme" (2015, 12 anos, TC Premium, 20h10) estreia.

Vamos de latino? "Jauja" (2014, 12 anos, Canal Brasil, 2h30), de Lisandro Alonso, é um dos mais discutidos argentinos dos últimos anos.

Vamos de faroeste? Há dois clássicos absolutos: "Johnny Guitar" (1954, 14 anos, TC Cult, 19h55), de Nicholas Ray, e "...E o Sangue Semeou a Terra" (1952, 12 anos, TC Cult, 0h20), de Anthony Mann.

Pode-se pensar em guerra no Vietnã, então temos "Pecados de Guerra" (1989, 16 anos, Space, 2h05), de Brian de Palma. Ou em coisas como Estado Islâmico e similares. Então estamos no território do magnífico "Timbuktu" (2014, 14 anos, TC Cult, 2h05).

Horários quase sempre horríveis para filmes não raro ótimos, como se vê. A alguns deles voltaremos.

Vício Inerente

TERÇA (10)

"Vício Inerente" (2014, 16 anos, Max, 19h20) é intrigante antes ainda de propor sua intriga: quem são essas pessoas que de repente aparecem ali? De onde surgiram? E para onde pretendem ir?

Então a intriga se lança... Não, ainda não: descobrimos que uma ex-namorada procura Joaquin Phoenix, ou "Doc" Sportello, estranho detetive particular, contando uma história estrambótica. História típica de filme "noir".

Mas já então não é a intriga o que interessa de fato no filme que Paul Thomas Anderson extraiu do livro de Thomas Pynchon, e sim os personagens. E, quando nos detemos um pouco nos personagens, nas paisagens, nas cores que se ali se agitam, é em uma época que pensamos: o Maio de 68 parisiense, a vigorosa reação contra a Guerra do Vietnã. E as drogas, claro.

Tudo isso partes de um ideário generoso de que hoje o filme nos apresenta às ruínas. Há algo de triste, algo de magnífico nisso tudo.

Johnny Guitar

QUARTA (11)

A solidão é o centro do cinema de Nicholas Ray. Assim são seus heróis: seres sempre deslocados em relação à sociedade e suas aspirações. Assim, sem dúvida, é a Vienna de "Johnny Guitar" (1954, 16 anos, TC Cult, 12h35).

Ela tem pontos obscuros em seu passado, que servem à reprimida Emma para juntar as forças da cidade na tentativa de expulsá-la. Haverá razões que vão da mera moralidade à economia, passando pelas de ordem psicológica.

Neste faroeste, Ray rebaixa as cores ao quase monocromático, desloca o essencial da ação para interiores e cria personagens que têm na dor a sua essência.

Sim, há ação. Existe mesmo a figura triste de Johnny Guitar, o antigo amor de Vienna, que volta à cena neste belo faroeste. Johnny Guitar, que mesmo feito para Sterling Hayden, que o interpreta: um grande poder físico, porém ferido, imobilizado.

Tumbuktu

QUINTA (12)

Ninguém estranhe se alguém disse que "Timbuktu" (TC Cult, 14 anos, 15h50) é o melhor filme de 2014.

Talvez a prova disso seja que não ganhou o Oscar de filme estrangeiro. Mas até concorreu, o que é estranho, e perdeu para outro filme decente, o polonês "Ida" (onde há histórias de Holocausto: com esse assunto nunca se perde Oscar, seja o filme bom, ruim, o que for).

"Timbuktu" tem por defeito ser africano (Abderrahmane Sissako, da Mauritânia é o autor). E por virtude exterior tratar de um fenômeno muito atual: as tiranias religioso-militares, tipo Exército Islâmico, bem mais tirânicas (e criminosas) que qualquer outra coisa, como mostra o filme.

Mais interessam, no entanto, as virtudes interiores: a beleza dos enquadramentos, a combinação de cores espantosa, o controle dos tempos, a inserção dos personagens nesse tempo e no espaço. Enfim, uma obra-prima e, quase certo, o melhor de 2014.

Vai que Cola

SEXTA (13)

Alguma diferença existe entre "Vai que Cola: O Filme" (2015, 14 anos, TC Premium, 0h45) e a média da produção de massa recente feita no Brasil. Pode vir do fato de o pessoal da Conspiração, a produtora, ser ligada a cinema mais do que a televisão.

Pode vir de um elo interessante com a velha chanchada. A mistura entre o pessoal do Meier, zona norte, e do Leblon, fina flor da zona sul do Rio, resulta tão simpática quanto a caricatura tem traços leves.

O centro de tudo é, sem dúvida, Paulo Gustavo, menos espalhafatoso do que em "Minha Mãe É uma Peça". Ele faz o elo entre as zonas as duas a partir de situações "típicas", por assim dizer: golpes e opulência no Leblon, precariedades varias no Meier.

Disso resulta uma mistura cultural que faz lembrar o tempo da pequena (dita "nova") classe média invadindo os aeroportos, para horror dos habituês. A crise levou esse tempo. Ficou o filme, em todo caso.

Divulgação
Olga Silva e Carmen Violeta no filme 'Mulher' (1931), de Octávio Gabus Mendes
Olga Silva e Carmen Violeta no filme 'Mulher' (1931), de Octávio Gabus Mendes

SÁBADO (14)

Ninguém sabe dizer, a rigor, se tivemos muitos filmes dignos do nome de "clássicos" em nosso cinema mudo. Os que sobraram não foram tantos assim. O apreço do Brasil por suas imagens é dessa qualidade.

De vez em quando, ocorre um milagre: encontra-se a trilha sonora de um filme do tempo da transição. Faz-se o restauro. Eis entre nós, de volta, o belo "Mulher" (1931, livre, Curta, 22h) de Octavio Gabus Mendes.

Octavio, pai de Cassiano, mentor do grupo que criaria o TV de Vanguarda (Walter Durst e Lima Duarte, entre outros) na Tupi, fez três filmes. Apenas "Mulher" sobreviveu. Ali se conta da garota da favela, assediada pelo padrasto (Humberto Mauro) e seduzida por um malandro.

O drama que se segue oscila entre a audácia e a convenção, mas pode-se apostar na audácia como traço mais efetivo. Afinal, uma atriz mulata, como Carmen Violeta, não costumava pisar em set de filme nacional naqueles tempos.

Argo

DOMINGO (15)

Talvez não seja de todo errado dizer que "Argo" (2012, 14 anos, Cinemax, 11h25 e 18h25) é uma comédia dentro de um drama.

O drama se passa durante a revolução iraniana, quando os EUA têm de intervir, secretamente, para tirar de lá alguns cidadãos que haviam fugido da embaixada americana invadida pelos guardas islâmicos.

A comédia intervém quando o especialista em crises do filme de Ben Affleck sugere que a única maneira possível de tirar as pessoas de lá é simular a realização de um filme.

A partir daí estamos no território da representação: mais do teatro do que propriamente do cinema. E no território da vida, onde, afinal, o teatro é o fundamento.

O Irã não gostou o filme, o que é compreensível. No entanto, esse é um filme que não se pode chamar de anti-iraniano (apesar de algumas cenas de violência infelizmente bem mais realistas do que seria desejável).


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