Folha de S. Paulo


Retrospectiva disseca evolução visual do concretismo de Augusto de Campos

Na arte, há momentos em que o silêncio fala mais alto. Augusto de Campos, 85, um dos pilares da poesia concreta no país, conta que a vanguarda que trabalhou para construir primeiro teve a ver com uma depuração radical da linguagem, uma espécie de marco zero sonoro e visual, para que depois fosse arquitetada uma nova visão de mundo.

Seus poemas mais secos e duros, ainda escritos com letras minúsculas contra fundos brancos, poderiam ser o lado mais emudecido, austero da história. Outros, que serviram de base para suas animações em vídeo, saltando para fora da página em explosões de cor, respondem pela fúria que tempos mais urgentes parecem demandar.

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Viva Vaia', poema de 1972
'Viva Vaia', poema de 1972

Essa transformação da poesia em elemento plástico desafiador na obra de Campos surge agora com toda a potência no Sesc Pompeia, na maior mostra já dedicada ao autor.

No fundo, a retrospectiva se esforça para revelar o que as páginas dos livros e as sintéticas animações do artista já faziam em escala menor, ou seja, busca uma tradução visual arrebatadora para versos que já nasceram no fio da navalha entre a simplicidade extrema e a violência verbal.

Versos de poemas como "Viva Vaia", "Amortemor", "Rever" e "O Código" ressurgem ali como esculturas que se desdobram no espaço. Outros, já alvos de vídeos criados por ele ao longo dos anos 1990, ganham uma releitura tridimensional nas salas escuras na ala final da exposição.

"Tentei trazer um ar novo para as artes, levar o país a uma integração cultural com o resto do mundo", diz Campos. "A poesia concreta antecipou um pouco o que se veria com as novas tecnologias."

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Psiu!', colagem de 1966, da série 'Popcretos
'Psiu!', colagem de 1966, da série 'Popcretos'

De fato, mesmo na era paleolítica pré-revolução digital, Campos e os concretistas do Ruptura, grupo formado em 1952 e liderado por Waldemar Cordeiro, já sonhavam com um futuro igualitário, calcado na assepsia das formas industriais e no repertório visual de ângulos retos forjado pela Bauhaus, a célebre escola alemã de design.

Daí o uso ortodoxo de cores primárias, letras minúsculas e sem volteios. "Essa foi uma escolha mais ou menos coletiva, entramos nessa onda", diz Campos. "A gente sentava e conversava muito com os pintores, mas havia as divergências, não era um grupo que nunca brigava."

UTOPIA DESMONTADA

Brigando ou não, toda essa turma fez parte da primeira mostra de arte concreta realizada há 60 anos pelo Museu de Arte Moderna paulistano. Mas o futuro brilhante que previam ali foi eclipsado em 1964 pelo golpe militar.

"Isso me abalou muito, desmontou minha utopia ortodoxa", diz Campos. "A gente viu o país virar de repente uma república das bananas."

Foi então que Campos, nas palavras de Daniel Rangel, que organiza a mostra, "deixou de ser um poeta concreto para ser um poeta pop". Do golpe em diante, o artista passou a usar recortes de jornal e outros tipos de letras e desenhos gráficos para construir mensagens que iam do tom incendiário à resignação.

Reprodução
Fluvial/Pluvial', poema de 1954
'Fluvial/Pluvial', poema de 1954

Longe da assepsia industrial, Campos foi buscar na imprensa, ou o "maior parque gráfico do mundo", formas visuais mais próximas do povo.

O poeta, aliás, vê no atual momento político, com o país abalado por um processo de impeachment controverso, um paralelo àqueles tumultuados tempos de exceção.

"É uma coincidência triste. Só tenho a lamentar", diz Campos. "Fiquei vendo aquele circo grotesco que a Câmara dos Deputados nos apresentou e me envergonhei de ser brasileiro. Estava deprimido e fiquei mais deprimido ainda. Isso é um erro tremendo e só vai desmoralizar a democracia brasileira."

No plano da poesia, o incêndio em Brasília talvez provoque uma nova ruptura de linguagem do autor, que aos poucos vai rompendo o silêncio.

AUGUSTO DE CAMPOS
QUANDO de ter. a sáb., das 10h às 21h; dom., 10h às 19h; até 31/7
ONDE Sesc Pompeia, r. Clélia, 93, tel. (11) 3871-7700
QUANTO grátis


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