Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Com Desert Trip, era do 'blockbuster' chega aos festivais

Colagem fotográfica Filipe Rocha/Folhapress

Bob Dylan, Rolling Stones, Paul McCartney, Neil Young, The Who e o ex-Pink Floyd Roger Waters no mesmo show. Estivéssemos em 1969, essa escalação seria verdadeiramente histórica, com os artistas em seus auges criativos e lançando discos antológicos.

Hoje, o Desert Trip, como foi batizado o evento organizado pela Goldenvoice, mesma produtora que realiza o festival americano Coachella, ainda poderá ser considerado um marco, mas do showbiz, não da música.

O festival, que foi confirmado nesta terça (3), vai inaugurar uma nova era no mercado de shows, guiada pela mesma fórmula que domina, há pelo menos 15 anos, as indústrias do cinema e do disco:
a fórmula do "blockbuster".

Em 1999, o então presidente e CEO do estúdio de cinema Warner Bros., Alan Horn, fez uma aposta arriscada: em vez de distribuir sua verba de divulgação pelos 20 e tantos filmes que lançava todo ano, começou a investir desproporcionalmente em três ou quatro filmes que pareciam ter maior potencial comercial.

A tese de Horn era simples: pesquisas mostravam que o público de cinema nos EUA via, em média, seis filmes por ano. O melhor a fazer seria criar atrações muito desejadas -os "blockbusters", ou "arrasa-quarteirões"-, filmes que se destacariam no bolo e teriam grande apelo popular.

A tática deu certo, e a Warner foi o estúdio mais bem-sucedido de Hollywood por mais de uma década, graças a sucessos como a série de longas "Harry Potter", "Batman - O Cavaleiro das Trevas" e "Se Beber, Não Case".

Horn mostrou que era mais lucrativo ter alguns poucos megassucessos, não importando que a maioria dos filmes do estúdio não lucrassem nada ou quase nada. Nascia ali a era do "blockbuster".

A fórmula de Horn se disseminou em todos os setores da indústria do entretenimento: estúdios de cinema gastam dezenas de milhões de dólares no marketing de filmes de ação de apelo juvenil, editoras fazem leilões multimilionários para ter o novo "50 Tons de Cinza" e emissoras disputam a tapa os rostos mais populares da TV, pagando salários estratosféricos.

Com o Desert Trip, que ocorrerá nos dias 7, 8 e 9 de outubro no Empire Polo Club, em Indio, na Califórnia, mesmo local onde acontece o Coachella, a Goldenvoice adapta a fórmula de Horn para o mercado de shows: em vez de lotar o festival de bandas menores e ter uma grande atração principal por noite, por que não excluir os pequenos e oferecer só o filé?

Afinal, a experiência de Hollywood comprova que, no fim das contas, o que o público quer é mais do mesmo.

Juntar esses artistas veteranos é uma jogada comercial de gênio. As turnês mais rentáveis do mundo são as de bandas velhas -Rolling Stones, Eagles, U2, McCartney, Waters- que apelam a um público masculino, branco e acima dos 40, que não se importa em pagar ingressos caros e gasta muito com bebida e comida nos eventos.

Os promotores do Desert Trip estão vendendo o festival como "uma oportunidade única" de ver esses ícones do rock juntos. O festival é um "evento", palavra que parece ser a preferida da indústria cultural nos últimos anos.

Tudo é um "evento", seja o lançamento do último "Star Wars", o novo "Harry Potter" ou o Desert Trip. Não há muita diferença entre o moleque que passa 12 horas na fila para ver "Star Wars" ou o cinquentão que vai gastar alguns milhares de dólares para ouvir "Hey Jude" ou "Jumpin' Jack Flash" pela milésima vez. São todos clientes, e os clientes têm sempre razão.

Se o Desert Trip for um grande sucesso -e ninguém aposta contra- podemos esperar mais eventos do tipo. Que tal Madonna, Beyoncé, Lady Gaga e Rihanna juntas? Ou então Coldplay, Maroon 5, Taylor Swift e Justin Bieber na mesma noite?


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