Folha de S. Paulo


Atores amadores narram as próprias histórias em peça da Cia Hiato

Não é a primeira vez que Dalva Cardoso, 64, participa de uma peça. Fez uma ponta em "A Última Palavra É a Penúltima" (2008), do Teatro da Vertigem, após ser descoberta pelo grupo enquanto trabalhava como faxineira.

Mas seu hobby é colecionar pedras: hoje conta cerca de 1.200. Já morou na rua e buscou abrigo em necrotérios para dormir com os filhos.

Com o dinheiro que recebeu do Vertigem, comprou "uma roupa de Conchita, uma cigana que mora dentro de mim", conta ela em "Amadores", peça da Cia Hiato que estreia na sexta (29) em São Paulo.

Dalva é um dos 13 diletantes que dividem o palco com cinco atores da Hiato. Revezam-se em depoimentos pessoais, falando de forma espontânea, pouco ensaiada.

Um jovem angolano conta como fugiu de seu país, há um ano e meio, após o sequestro dos pais. Um senhor relembra seus tempos de office boy do conde Matarazzo.

Um rapaz narra como lidou com o vício em drogas. Outro transita sutilmente de uma metáfora com personagens da Disney à sua transexualidade.

"A ideia era olhar para as pessoas reais, as histórias que muitas vezes representamos no palco", diz o diretor Leonardo Moreira. "E discutir essa relação de trabalho, a arte."

O viés documental, contudo, já vinha de espetáculos anteriores da Hiato. Podia ser visto em "Ficção" e "2 Ficções", que partiam da biografia dos integrantes do grupo.

Para "Amadores", a companhia divulgou o projeto em anúncios de jornais. Recebeu mais de 800 inscrições.

Alguns se interessaram porque precisavam da remuneração (cada um recebe R$ 3.000 pelo trabalho), outros por curiosidade ou alguma aspiração artística, explica Moreira.

O atendente de telemarketing Maurício Oliveira, 25, começa sua cena ao telefone com uma cliente de um serviço de cartão de crédito.

Termina a ligação e logo muda de ritmo, dançando passos clássicos ao som de "Für Elise", de Beethoven. "Com a dança, eu me liberto", conta o também bailarino amador.

Já a dona de casa Rose Sforcin, 61, se inscreveu por incentivo do filho Flávio, que é ator. No palco, ela fala da paixão pelo canto e dos abortos espontâneos que teve na juventude –lembra da "carne" que lhe caiu do corpo aos quatro meses de gravidez– e do filho natimorto que carregou por dias em outra gestação.

"Por pior que seja, me faz bem contar essa história, porque eu falo desses meus 'outros' filhos", afirma ela.

"A ideia da peça é também não fazer juízo de valores", diz o diretor. "Não existe rótulo, cada pessoa é um universo."

AMADORES
QUANDO qui. a sáb., às 21h, dom., às 18h; até 29/5
ONDE Sesc Consolação, r. Dr Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000
QUANTO R$ 12 a R$ 40
CLASSIFICAÇÃO 16 anos


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