Folha de S. Paulo


Documentário 'Fogo no Mar' é como composição musical, diz diretor

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"Como é que alguém consegue escrever um [roteiro de] documentário?", indaga o cineasta italiano Gianfranco Rosi. Trata-se de uma pergunta que o diretor do documentário "Fogo no Mar" –vencedor, em fevereiro, do Urso de Ouro no Festival de Berlim– não faz questão de responder.

Diferente dos colegas "que saem com um roteiro inteiro antes de gravar", ele encontra realidade sem nenhuma ideia na cabeça além do instinto de filmar. Para "Fogo no Mar", sequer fez entrevistas. Preferia visitar as casas pessoas de que gostava, "comer com elas, conhecê-las melhor".

Sem roteiro, a força do documentário se manifesta a partir da poesia visual que Rosi constrói com três narrativas que se cruzam, segundo o diretor. A primeira delas é como a ilha, uma das principais rotas de entrada de imigrantes na Europa, reage à chegada dos que fogem de conflitos, principalmente na África. As notícias chegam pelo rádio dos lares onde devora-se espaguete com mariscos. Alguns ficam indiferentes, e outros, como o único médico da ilha, doam-se incansavelmente a tentar ajudar.

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Cena do documentário 'Fogo no Mar
Cena do documentário 'Fogo no Mar'

A segunda é a denúncia do drama humanitário dos refugiados: durante sua estadia em Lampedusa, Rosi registrou o resgate de uma embarcação irregular, de onde retiravam-se corpos, alguns já sem vida, queimados por um vazamento de combustível.

A terceira, e mais importante, é a do menino Samuele, uma das primeiras pessoas que Rosi conheceu na ilha.

Samuele precisa usar um tampão no olho –uma alegoria da parcialidade com que enxergamos o real. Quando brinca, cria estilingues e baleia rostos de monstrengos que desenha nos cactos da paisagem. "São todos os inimigos que criamos para tentar resolver nossos problemas", teoriza o cineasta.

O mar, em que um mergulhador afunda durante uma longa e silenciosa sequência como "quem recusa a encarar a realidade", alinhava os três elementos. Para Rosi, é "uma pausa no filme, para respirar pensar. Como compor uma música, você precisa achar o equilíbrio certo, o espaço certo entre as notas".


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