Folha de S. Paulo


Morre o produtor musical Fernando Faro, criador do programa 'Ensaio'

Morreu na madrugada desta segunda (25), aos 88 anos, o produtor musical Fernando Faro, conhecido nome por trás do programa "Ensaio", da TV Cultura. Ele estava internado no hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, desde 26 de janeiro e morreu em decorrência de uma infecção pulmonar.

Fernando Abilio de Faro Santos, nascido em 21 de junho de 1927, em Aracaju (SE), cresceu em Salvador (BA).

Estudou direito na USP, em São Paulo, mas largou o curso no terceiro ano para se tornar repórter no "A Noite" e, depois, crítico de cinema e teatro no "Jornal de São Paulo".

Se havia algo a que demonstrava ter verdadeiro horror, Faro dizia, era a obviedade. Seu "Ensaio", o programa mais longevo de sua carreira, foi prova disso. Exibido a partir de 1969, na TV Tupi, trazia uma fórmula nova: mesclava show e entrevista, mas sem que aparecessem a imagem ou a voz do apresentador, o próprio Faro.

Na tela, surgiam closes do entrevistado: boca, olhos, mãos, em uma iluminação que contrastava luz e sombra e evidenciava expressões.

assista a trecho

O músico respondia a perguntas que o público não ouvia, o que trazia uma sensação de proximidade com o artista, como se a conversa fosse com o próprio espectador, sem a mediação de um entrevistador.

Foram mais de 640 "Ensaio" gravados, contando o período na Tupi, de 1969 a 1971, e depois na TV Cultura, desde 1990, além das edições feitas entre 1972 e 1975, quando foi chamado de "MPB Especial". Por lá, passaram Cartola, Elis Regina, Chico Buarque, Jackson do Pandeiro, Paulinho da Viola, enfim, toda a nata da música brasileira.

"Baixo" foi o apelido que o diretor artístico da TV Tupi, Cassiano Gabus Mendes (1929-93), deu a Faro, por duas razões: o 1,65m de altura e a voz mais do que tranquila.

Faro amava o imprevisível. "TV é rascunho", dizia. Tanto que um dia empurrou o poeta Décio Pignatari (1927-2012) para o meio do cenário do "Móbile" –programa sem formato fixo que tratava de artes–, com mesa, máquina de escrever, lousa e papel. "Você está no ar, faça alguma coisa!", disse Baixo.

Aturdido, Pignatari ficou olhando para as câmeras, mas logo começou a lançar aviõezinhos de papel e falar sobre Umberto Eco e Adorno.

FITAS NO LIXO

A obsessão pelo frescor era tanta que Faro jogou fora as fitas de "Móbile". Não queria correr o risco de revê-las e se repetir depois.

Ele se arrependeria mais tarde da atitude, mas não foi o que aconteceu quando jogou fora as fitas do programa "Divino, Maravilhoso", de 1968, capitaneado por Gilberto Gil e Caetano Veloso, e que exibia a nascente tropicália.

Faro não queria que as fitas fossem usadas contra "os meninos" pela repressão. Polêmico, "Divino" mostrou Caetano cantando com um revólver apontado para a cabeça.

Na ditadura, Baixo criou cenas provocativas ao regime. Uma mostrava um rato prestes a ser morto por uma ratoeira. Faro teve de convencer o censor que o rato não simbolizava o povo, e a ratoeira, o Exército esmagando o povo.

Arquivo pessoal
Da esq. para dir., Faro (sentado), os músicos João do Vale, Fagner e Chico Buarque no início dos anos 80
Da esq. para dir., Faro (sentado), os músicos João do Vale, Fagner e Chico Buarque nos anos 80

Com Chico Buarque, montou o show de 1º de Maio em 1979, no Riocentro, reunindo Clara Nunes, Beth Carvalho e Cauby para angariar fundos para o primeiro encontro de sindicalistas do Brasil. Também foi de Faro a organização dos shows pré-comício pelas "Diretas Já" (1984), no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.

Atuou como produtor de discos –como "A Arca de Noé", de Vinicius de Moraes– e foi diretor do MIS (Museu da Imagem e do Som) em São Paulo, nos anos 1990.

Foram muitos os shows produzidos por ele. Como os de Toquinho, Paulinho da Viola e Elis Regina, que chegou a morar por um tempo na casa de Faro –foi dele a direção do último show da cantora: "Trem Azul" (1981).

Se nos últimos anos a memória falhava em precisão de dados, sobrava em emoção.

Fernando Faro tinha lembranças vívidas dos amigos e um amor ao trabalho que o fazia ir todos os dias à TV Cultura, mesmo quando não precisava.

O produtor foi enterrado nesta segunda (25) no Cemitério do Araçá, em São Paulo. Deixa três filhos –Maria Luiza, Maria Fernanda e Lucas– e duas netas.


Endereço da página:

Links no texto: