Folha de S. Paulo


Gloria Pires interpreta psiquiatra humanista na cinebiografia 'Nise'

"Meu instrumento é o pincel; o seu é o picador de gelo", brada a psiquiatra Nise da Silveira, vivida na tela pela atriz Gloria Pires, insurgindo-se contra um de seus colegas, adepto da lobotomia.

A frase dá o tom à cinebiografia "Nise –O Coração da Loucura", de Roberto Berliner ("Julio Sumiu"), que esmiúça o trabalho da médica alagoana (1905-1999), conhecida por sua abordagem humanizada da saúde mental. O longa estreia na quinta (21).

"Vejo a trajetória dela como um trabalho de formiguinha que acabou tornando Nise uma gigante", diz Gloria Pires à Folha. "Começou o trabalho num setor de segunda categoria e se tornou referência na área até hoje."

O longa de Berliner enfoca o seu trabalho com os pacientes de um hospital psiquiátrico no subúrbio do Rio na década de 1940, época em que lobotomia e encarceramento eram regra de tratamento.

Nise da Silveira propõe como alternativa atividades lúdicas como a pintura e o cuidado de animais domésticos.

Aos poucos, os pacientes psiquiátricos, outrora violentos, acalmam e passam a produzir mandalas, telas e esculturas que rendem à médica a atenção do curador de arte Mário Pedrosa e do psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung.

"Nise viu um discurso artístico naquilo que os pacientes produziam", diz a atriz. "A arte era a expressão daquilo que eles não podiam verbalizar."

O filme não se detém no que moldou o pensamento progressista de Nise, ex-presa política do governo Vargas, encarcerada por sua afiliação marxista. Prefere focar as tensões dentro do manicômio: os embates com os psiquiatras tradicionais e mesmo os dilemas de uma cura impossível.

A câmera apressada, correndo por entre os pacientes dá ao longa um ar documental –o diretor é egresso desse gênero. "Ele não queria excessos de texto, tinha essa proposta de que tudo passasse a impressão de estar acontecendo em tempo real", diz Gloria.

Segundo a atriz, o filme embute uma mensagem em época em que se discute reavaliar a reforma psiquiátrica, que foi contrária ao modelo de internações em hospícios. "'Nise' mostra a importância do tratamento humanitário", diz.


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