Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Mostra 'Histórias da Infância' falha ao tentar transgredir

"Histórias da Infância", em cartaz no Masp, tem a pretensão de uma mostra transgressora, mas, ao final, seu resultado é apenas formalista e, sendo assim, conservador.

A transgressão estaria em mesclar cerca de 200 obras, em sua maioria imagens de crianças, de distintos tempos e espaços geográficos –da África à Europa, buscando criar uma narrativa "descolonizadora". O termo, contudo, soa um tanto deslocado frente à organização da própria mostra, que tende a descontextualizar toda produção e apresentá-la com a aura de arte, mesmo quando essa não foi sua intensão original.

O melhor exemplo dessa problemática está nos desenhos produzidos por crianças por meio do programa educativo do próprio Masp, em três momentos distintos –1970, 2000 e 2016–, e exibidos em higienizadas molduras ao longo da mostra. Ora, esses desenhos não foram criados para serem expostos assim, e o ato de emoldura-los é mais uma forma de adestramento do que de inclusão.

Divulgação
Obra de Lasar Segall na mostra 'Histórias da Infância', no Masp ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Obra de Lasar Segall na exposição 'Histórias da Infância'

Isso fica mais claro quando se compara ao modo como Carla Zaccagnini, na instalação "El Gigante Egoísta", com seus próprios desenhos infantis, cria uma forma de exibição muito mais criativa.

O caráter formal da mostra, com curadoria de Lilia Schwarcz, Adriano Pedrosa e Fernando Oliva, está ainda em sua sequência. Tem início com o tema da maternidade e termina com o da morte. Ordem mais óbvia, impossível.

Essa literalidade na narrativa não compromete os conjuntos individuais. Não deixa de ser emocionante ver uma escultura de Iorubá da Nigéria ao lado de uma obra de Lasar Segall (1891""1957) e de outra de Agnaldo dos Santos (1926""1962). Todas, contudo, ao retratarem mulheres grávidas, lembram uma lição básica e um tanto ultrapassada de curadoria: escolha um tema e depois as obras que se encaixam nele.

De fato, toda a mostra parece seguir tal princípio. Há conjuntos dedicados a crianças em ambientes escolares –ali está uma das obras-primas do museu, "O Escolar", de Van Gogh– junto a duas fotos que retratam escolas: uma de Rochelle Costi e outra de uma criança de castigo, de Otto Stupakoff, realizada em 1970. Há também conjuntos sobre crianças em ambientes de trabalho, ou então familiares.

A redundância soa até exagerada com tantas repetições de trabalhos com os mesmos temas ao longo da exposição.

Outra transgressão seria rebaixar a altura em que as obras estão expostas para aproximá-las do olhar das crianças. Aqui, novamente, trata-se apenas de uma operação formal. Afinal, as obras seguem intocáveis e apenas para observação, o que no universo infantil é bastante castrador. Assim, independente da altura, a relação com a arte segue sendo fria e distante.

"Histórias da Infância" apresenta uma quantidade de ótimos trabalhos, muitos deles que não são do acervo do Masp, aliás. Mas uma boa mostra não se faz apenas com a reunião de bons trabalhos.

HISTÓRIAS DA INFÂNCIA
QUANDO ter. a dom., das 10h às 18h; qui., das 10h às 20h; até 31/7
ONDE Masp (av. Paulista, 1578, tel. 11-3251-5644)
QUANTO R$ 25, grátis às terças


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