Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Silêncio e reticências dominam longa sobre Salvador Allende

Quem espera de "Allende, Meu Avô Allende" grandes revelações sobre a vida pessoal ou política do presidente chileno, morto durante o golpe de 11 de setembro de 1973, pode se decepcionar.

Embora logo de início relembre seu apelido familiar, Chicho, o filme será muito mais sobre as perdas, distâncias, ausências que persistem em torno dele.

Não por acaso, o filme de Marcia Tambutti, neta de Allende, se dá em torno de uma família separada pelo golpe de Estado. Junto a Tacha, a avó, Marcia bem que tenta buscar detalhes de sua vida, da política, das relações pessoais etc. Mas Tencha se cansa com facilidade, o que não é de espantar em sua idade.

Divulgação
Documentario
O presidente chileno Salvador Allende com uma das netas no colo, em cena do documentário

Será apenas isso, cansaço? Talvez não. Aparentemente, a família sabe ou lembra pouco sobre ele. E fala menos ainda. Encontram-se sinais esparsos de sua existência. É o vazio o que mais significa. Temos aí um filme que vale menos pelo que se fala do que pelos silêncios e reticências.

À parte Toncha, temos aí duas gerações com experiências diferentes. Para os netos, tudo é um pouco difuso. Para a filha sobrevivente, nem tanto: sobre as relações dos pais, não fala. Sobre a casa da praia, fala de um lugar paradisíaco arruinado pelos militares, ao qual não quer voltar.

A memória é não raro dura. Tati, a filha de Allende que se suicidou em Cuba, em 1977, é uma presença importante. É como se a tragédia familiar rebatesse nela com tanta força que afetasse a todos.

E se transportasse ao espectador, pois a imagem dos Allende é de uma família (quase) como qualquer outra, com seus segredos, tragédias, momentos felizes ou dolorosos.

Seria injusto, e muito, dizer que o filme nada traz de inédito sobre Allende. Mas raramente isso é fundamental. Talvez não seja uma inconfidência abrir aquilo que o filme revela ao final: que "Allende" significa "Além de".

Se a vida de Allende pertence à história chilena, é nos traços que deixa, ali onde ela ecoa como dor, alegria ou mistério, como encontro ou desencontro, que o filme encontra, afinal, seu sentido.

ALLENDE, MEU AVÔ ALLENDE
DIREÇÃO Marcia Tambutti Allende
PRODUÇÃO México/Chile, 2015
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
ONDE Centro Cultural São Paulo, r. Vergueiro, 1.000, hoje, às 18h


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