Folha de S. Paulo


crítica

Mais do que retrato de poeta, longa tenta capturar poesia

Além de ver um retrato íntimo do poeta Armando Freitas Filho, o público que for assistir às sessões de "Manter a Linha da Cordilheira sem o Desmaio da Planície" no festival É Tudo Verdade terá um gostinho da mesa de abertura da próxima Festa Literária Internacional de Paraty.

O evento literário, que neste ano celebrará Ana Cristina César (1952-83), será inaugurado em 29/6 pelo encontro entre Freitas Filho, guardião da obra da homenageada, e o cineasta Walter Carvalho, autor do filme exibido nesta terça (12) e quarta (13) em São Paulo e nos dias 14 e 15 no Rio.

O documentário –filmado ao longo de vários anos, como denotam as mudanças na aparência do retratado e mesmo na das imagens– também deve ser exibido em Paraty.

Embora traga traços importantes da personalidade do poeta –na primeira cena, ele faz uma piada autoirônica sobre sua hipocondria–, no cerne, o filme é mais uma aproximação ao mundo do poeta do que um perfil dele.

Nesse sentido, o longo título do filme, pinçado de um dos cadernos em que o escritor prepara seus livros, é uma excelente síntese do que se verá na tela. Uma paisagem de muitos picos e vales, que parece anunciar um terreno plano ao qual não se chega.

Alguns vales são mais profundos e difíceis de atravessar –como quando Freitas Filho fala de sua relação com Ana Cristina César e do suicídio da escritora, aos 31.

É inevitável sentir certo desconforto –como se observássemos, despreparados, algo indevido– ao vermos a face do protagonista se crispar à leitura de uma carta de Ana C., na voz de Flávio Lenz César, seu irmão.

A verve de Freitas Filho —como seria natural, sendo ele um grande poeta— responde pelos momentos de maior brilho, em especial aqueles em que ele procura definir aspectos de seu fugidio ofício.

A ideia de que os achados poéticos são como um "isqueiro que acende e apaga", algo que escapa se não for pego "com mão de gato", encontra uma boa tradução visual nos interlúdios em que uma bailarina, dançando numa ruína, tenta alcançar com as mãos um objeto que voa sempre mais alto.

No todo, o longa parece menos com o resultado construído e apolíneo dos versos do retratado e mais com a desordem de seu escritório e de sua mente, que o poeta conta procurar "arrumar" com caminhadas diárias. Não deixa de ser um retrato fiel.

MANTER A LINHA DA CORDILHEIRA SEM O DESMAIO DA PLANÍCIE
DIREÇÃO Walter Carvalho
PRODUÇÃO Brasil, 2016
ONDE ter. (12), às 21H, no cinearte - av. Paulista, 2073


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