Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Dramaturgo, Naum Alves de Souza deixa 'Aurora' como obra-prima

O dramaturgo e diretor Naum Alves de Souza, de "A Aurora da Minha Vida", morreu aos 73 anos na noite de sábado (9) em São Paulo, de causa ainda não divulgada. Ele fora internado há algumas semanas, para tratar de complicações de uma dengue constatada em fevereiro, e passou os últimos dias sedado.

Ao enterro no Cemitério Gethsêmani, no Morumbi, compareceram, entre outros, os atores Carlos Moreno e Iara Jamra, formados por Naum nos anos 1960 e 70, e o bailarino e coreógrafo J.C. Violla, que criou espetáculos de dança com ele nos anos 70 e 80 e atuou em "Aurora".

Uma das peças mais reencenadas no país, por profissionais e amadores, a ponto de seu autor dizer que não sabia quantas versões havia em cartaz em determinada semana, "A Aurora da Minha Vida" (81) carrega a marca da nostalgia de sua obra como dramaturgo.

Lenise Pinheiro/Folhapress
O dramaturgo Naum Alves de Souza
O dramaturgo Naum Alves de Souza

A peça se passa numa sala de aula, com carteiras, alunos uniformizados e professores, e aborda conflitos como religião e militarismo. Ecoa cenas da infância e juventude de Naum no interior paulista -ele é natural de Pirajuí e só chegou à capital aos 18.

Na premiada montagem de estreia em São Paulo, Violla atuava ao lado dos jovens Paulo Betti, Eliane Giardini e outros. Na também premiada temporada carioca, que ficaria mais de dois anos em cartaz, estavam Marieta Severo e Pedro Paulo Rangel.

A explicação para o impacto de "Aurora", segundo Rangel, são seus arquétipos estudantis e o humor algo cruel de Naum. Na direção, o ator e outros o descrevem como carinhoso, alguém que sabia lidar tanto com as falhas como com as qualidades dos personagens.

Entre as peças significativas de Naum estão também "No Natal a Gente Vem Te Buscar" (79) e "Um Beijo, um Abraço, um Aperto de Mão" (84), que compõem com "Aurora" seu Ciclo Memorialista, e "Suburbano Coração" (89), com canções de Chico Buarque, parte do Ciclo Urbano.

Esses e outros textos foram publicados na cuidadosa edição "Naum Alves de Souza - Teatro" (2005, Cena Lusófona, 1.488 págs.). Na introdução, ele escreve que "sempre perguntaram se minhas peças eram autobiográficas. São e não são". Trazem "pedaços de vidas de uns e de outros".

Mais recentemente, ele estreou "Operação Trem-Bala" (2013), em que deu nova prova do quanto era capaz de expressar nostalgia com amarga honestidade. E se preparava para encenar, em agosto, "Ódio a Mozart", já publicada, mas inédita no palco.

No ano passado, o autor publicou ainda o livro de contos "Tirando a Louca do Armário & Outras Histórias" (ed. Descaminhos, 270 págs.).

VILA SÉSAMO

Naum foi também reconhecido cenógrafo e figurinista. Seus primeiros trabalhos no Pod Minoga Studio nos anos 70, com ex-alunos como Carlos Moreno e Mira Haar, que começaram a estudar com ele na Faap quando não passavam de 11 anos, tinham características mais plásticas.

"Quando ele estreou a primeira peça [pós-Pod Minoga] era dramaturgia", contou o ator e autor Flavio de Souza, outro ex-aluno. "A gente até falou, 'Cadê aquelas coisas todas?'" Entre diversos trabalhos, Naum fez os bonecos do programa "Vila Sésamo" (72) e os cenários e figurinos do show "Falso Brilhante" (75), de Elis Regina.

Seu trabalho mais celebrado como cenógrafo e figurinista –assinou toda a "direção artística"– foi "Macunaíma", espetáculo histórico dirigido em 78 por Antunes Filho.

Com pinturas e objetos que expunha eventualmente, como fez há dois anos no estúdio JC Violla, Naum se manteve atuante nas artes plásticas, enquanto dirigia espetáculos como "Dona Doida" (87), com Fernanda Montenegro, e "A Flor do Meu Bem Querer" (2003), de Juca de Oliveira.

Mas é como dramaturgo que ele entra para a história do teatro. No livro de 2005, Naum escreveu: "As pessoas fazem as cidades e eu me lembro muito bem delas. A costureira, a tia que trabalhava na agência de Correios, alguns médicos... Algumas talvez eu tenha inventado na minha cabeça de escritor".


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