Folha de S. Paulo


POLÊMICA

Pretensa sofisticação artística de crítico azeda o café dos leitores

Lucas Lima/UOL
Grupo inglês Coldplay se apresenta no Allianz Parque, em São Paulo, nesta quinta-feira (7)
O cantor Chris Martin à frente do Coldplay durante apresentação no Allianz Parque, em São Paulo

Em crítica publicada na Folha na sexta-feira (8), o repórter especial Thales de Menezes qualificou a apresentação da banda Coldplay em São Paulo como um show de pirotecnia, pop sem brilho e rock frouxo. O cineasta paulistano Fernando Grostein Andrade discorda, e apresenta suas razões abaixo.

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Já disse o velho ditado que gosto não se discute, se lamenta. Está aí o desafio da profissão de crítico profissional, afinal não só as artes não são uma ciência exata, como também são questão de... Gosto. Sinceramente, não sei o que se passou na cabeça do crítico que detonou aqui nesta Folha o show do Coldplay. Será que ele foi ao mesmo show que eu e todos da minha "timeline"? Será que ele viu as milhares de pessoas que eu vi indo ao delírio? O que vi no Allianz Parque foi não só um espetáculo de cores, músicas e emoções, mas também uma comoção coletiva digna de fazer inveja a qualquer pastor ultra carismático ou às cataratas do Iguaçu.

Os músicos tiveram uma performance perfeita, voz, afinação e empolgação, mas também conseguiram fazer uso das mais diversas mídias para entreter. Na entrada todos recebiam uma pulseira. Na abertura as luzes se apagaram e as pulseiras acendiam em sincronia num show de sinergia entre música, emoção e tecnologia. Sem falar no show de organização do evento. Impecável.

Mas por que, então, não elogiar? Falta humildade, ou é aquela velha estratégia de falar mal para aparecer. Não conheço o tal crítico, tampouco sei se ele comeu algo estragado naquele dia, mas o risco do crítico azedo é, num fetiche de pretensa sofisticação artística, azedar o café da manhã dos leitores. Ou ainda ser referência inversa dos leitores: se ele fala mal, o espetáculo deve ser bom —sujando não só a reputação do jornal, mas também o ofício de crítico. Será que eu sou ingênuo e notícia boa não vende? Ou zoar o trabalho dos outros é mais gostoso para quem não consegue construir?

Não sou daqueles que acreditam que crítico é artista frustrado, pelo contrário. Um bom critico é como um sommelier, ajuda o público a navegar e apreciar a obra. Sigo os meus com paixão, aliás, sempre me ensinando. Ou ainda, o bom crítico pode evitar que o leitor caia em presepadas desnecessárias. É claro que cabe sim ser "pedra", e isso é mais fácil do que ser "vidraça". O que incomoda é um reflexo do complexo de vira-latas, dificuldade em reconhecer e enxergar mérito no êxito. Pior, ao destilar suas amarguras na vida, o crítico ainda usa o grupo "Asa de Águia" de forma jocosa e desrespeitosa —sintoma não só de um provincianismo tacanho, mas também de amargor e mau humor com a cultura brasileira.

Como artista, sei o quanto é difícil fazer um filme, foto ou um poema —como qualquer criança na escola sabe o frio na barriga ao se expor diante da turma. Este texto, por exemplo, está dificílimo. Um filme no Brasil, então, tarefa heroica. Um roteirista amigo meu diz que quando termina um filme brasileiro, não sobem créditos, mas débitos. Nada mais verdadeiro, em especial para os artistas que têm de saber a arte de envolver questões financeiras nos seus processos criativos. Em tempos de ódio, me parece que coragem é saber elogiar e reconhecer o mérito no trabalho artístico. Mas isso é tarefa para quem tem colhões.

FERNANDO GROSTEIN ANDRADE é cineasta e diretor de "Quebrando o Tabu" e "Coração Vagabundo".


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