A intimidade e o segredo são as promessas contidas no título "Gabo: A Criação de Gabriel García Márquez", produção hispano-colombiana que é um dos destaques da mostra Foco Latino-Americano do É Tudo Verdade.
O documentário reconstitui as etapas essenciais do percurso do escritor colombiano premiado com o Nobel de Literatura em 1982, desde a infância, no final dos anos 1920, no desconhecido povoado de Aracataca, até a morte, em 2014, fecho de uma trajetória hipercelebrada.
O formato é o de entrevistas, entremeadas com material de arquivo que permite uma aproximação da personalidade, o Gabo por trás da imagem pública de García Márquez.
O escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez atua como guia, visitando lugares na Colômbia, onde Gabo viveu e nos quais se inspirou para criar a imaginária Macondo de "Cem Anos de Solidão" e recriar a bem real Sucre de "Crônica de uma Morte Anunciada".
Outro condutor da narrativa é Gerald Martin, autor de uma respeitada biografia de García Márquez. Seus esclarecimentos, além de avalizarem o documentário, dão ao filme a impressão de um resumão das quase 700 páginas do volume em 90 minutos.
Portanto, trata-se de uma síntese que impõe a coerência e evita as contradições.
A formação do imaginário nas experiências da infância e adolescência, o início da vida adulta, o despertar para a literatura e a entrada no jornalismo são mostrados como aspectos inquestionáveis da construção do artista.
No entanto, o tratamento objetivo que o filme busca dar a esses tópicos deixa um tanto de lado a natureza subjetiva da criação artística.
Esta só aparece com mais substância nos ótimos recortes de entrevista do próprio escritor, quando revela, por exemplo, como o sentimento de abandono vivido em Paris, nos anos 1960, e a solidão forçada pelo excesso de fama na década seguinte inspiraram, respectivamente, "Ninguém Escreve ao Coronel" e "O Outono do Patriarca".
O engajamento político em defesa de Fidel Castro, em Cuba, e em repúdio à violência do narcotráfico, na Colômbia, ganham destaque.
Aqui, o escritor convertido em celebridade aproveita a visibilidade para negociar com Castro o relaxamento de prisões de artistas e intelectuais ou sugerir a Bill Clinton a mudança diplomática em relação a Cuba.
"Em minha vida não disparei nenhuma arma diferente da máquina de escrever", declara Gabo em uma entrevista. O documentário permite entender como o criador do realismo mágico escolheu não viver num mundo à parte.
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