Folha de S. Paulo


Obras brasileiras na Bienal de Veneza são voltadas à solução de problemas

"Quando me mudei para cá, não tinha nada, só barracos de madeira", diz José Vilson, diante da vista de sua janela no 15º andar de uma das torres do Jardim Edite. "Foi uma metamorfose completa."

De fato, da favela espremida entre as avenidas Roberto Marinho e Berrini, na zona sul de São Paulo, só ficou o nome. Hoje, três prédios de apartamentos e dois blocos mais baixos formam um conjunto habitacional que em nada lembra as insossas construções em série de projetos desse tipo.

Num bairro atulhado de arranha-céus, o Jardim Edite, desenhado pela firma paulistana MMBB, não destoa tanto da paisagem vertical, a não ser por suas linhas austeras e ângulos retos —o avesso da pele de vidro das torres espalhafatosas da marginal Pinheiros.

Seus moradores, mais de 200 famílias de baixa renda, entre elas a de Vilson, vivem a poucos metros do coração corporativo da cidade e shoppings cheios de butiques. Essa convivência entre classes sociais distintas, mais do que as soluções encontradas por seu projeto arquitetônico, é talvez a maior força da obra.

É também o que levou o arquiteto Washington Fajardo a escalar o Jardim Edite e outros 14 projetos do país para o pavilhão brasileiro da Bienal de Arquitetura de Veneza, marcada para o fim de maio.

Nesta edição da mostra, aliás, prédios espetaculares devem sair de cena para dar lugar a obras de natureza prática e funcional, uma arquitetura voltada para a solução de problemas urgentes e não só mais um espelho dos egos de seus autores.

"É o desenho a serviço das pessoas", diz Fajardo, este ano à frente da representação brasileira no evento. "A gente precisa acabar com essa tradição do arquiteto acima da sociedade e com o fetiche pelo objeto arquitetônico."

Nesse sentido, o pavilhão nacional em Veneza reflete o pensamento do chileno Alejandro Aravena, que acaba de vencer o Pritzker, prêmio máximo da arquitetura, e está no comando da mostra italiana.

Seu projeto mais célebre, aliás, a Quinta Monroy, no Chile, é também um conjunto habitacional com ambições de ser diferente. Ali, os moradores recebem uma casa pela metade e terminam a construção do jeito que quiserem, ou seja, cada moradia acaba refletindo os gostos do dono.

No Jardim Edite, a liberdade é menor, mas o fato de os prédios não nascerem com o estigma de obra de interesse social dá outro clima ao lugar.

"Quando a gente conta que aqui era uma favela, as pessoas nem acreditam", diz Juliana Araruna, que trabalha no posto de saúde no andar térreo de um dos prédios.

Uma creche e um restaurante também funcionam no nível da rua, criando um movimento constante nas calçadas. Na opinião de Fajardo, projetos como esse são um contraponto à "produção fordista de unidades habitacionais", os "guetos do futuro".


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