Folha de S. Paulo


Debora Bloch e Mariana Lima vivem para os maridos na peça 'Os Realistas'

Ao sair do espetáculo, são várias as sensações. Umas incômodas, outras reconfortantes, mas talvez a mais forte delas seja um clichê que esquecemos de lembrar: a vida não tem linha de chegada.

"O Will Eno escreve sobre pessoas quase medíocres. Não é um compartilhamento de virtudes, mas de fraquezas, medos", comenta Debora Bloch, que vive Pônei, mulher de José, personagem de Emílio de Mello, em "Os Realistas", com estreia em São Paulo neste sábado (2).

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Debora Bloch fuma em cena de 'Os Realistas
Debora Bloch fuma em cena de '"Os Realistas'"

"Estamos num momento de tantas certezas e compartilhamentos de vitórias, que o teatro é um dos poucos lugares possíveis para compartilhar as pequenezas", diz ela.

Mariana Lima, Júlia, mulher de João, personagem de Fernando Eiras, analisa: "O autor fragiliza as potências. Não cria heróis; cria coitados, assim como nós, que somos todos coitados".

Com direção de Guilherme Weber, "Os Realistas" é uma adaptação de "The Realistic Joneses", que marcou a estreia do norte-americano Will Eno, festejado como um Samuel Beckett contemporâneo, na Broadway, em 2014. A montagem é o quinto trabalho de Weber com textos de Eno e marca o retorno de Debora Bloch à produção.

"É um exercício do autor sobre o gênero realista. Nesta história, Eno desloca seus personagens para uma pequena cidade campestre, em um movimento também reverente ao teatro de Tchekhov", diz Weber. "Este confronto com a natureza, o vasto e o desconhecido faz com que estes personagens se cruzem em uma comédia existencialista sobre vida, morte, amor e vizinhos."

OS SILVAS

Em cena, dois casais em casas geminadas, numa cidade em que se é "quase possível ouvir as nuvens". Eles têm o mesmo sobrenome, Silva, o equivalente brasileiro a Joneses. João e Júlia (Fernando Eiras e Mariana Lima) são a perfeita tradução do tédio a dois. José e Pônei (Ernani Mello e Debora Bloch) parecem o oposto, a felicidade em flor.

Numa construção narrativa sofisticada, nada óbvia, a peça é sobre personagens, e não sobre o que acontece com eles, pois nada acontece.

Na maior parte do tempo, conversam na varanda. Os diálogos são hilários, e os conflitos pululam de falas triviais a silêncios contemplativos, que vão revelando sentimentos, desejos, frustrações, pequenas alegrias.

Ali, naquele céu estrelado, cada personagem tem a sua maneira de fugir da vida.

"O autor trabalha com vários planos, mas dois deles estão em fricção o tempo todo, que é o do ordinário e o do extraordinário. O ordinário flerta com o extraordinário. É nesse encontro do infinito com o finito que surgem as pequenas iluminações", diz Mariana.

"A doença daqueles dois homens –os maridos sofrem da mesma doença degenerativa– é a própria vida que não tem cura. A incompletude está... Estamos sempre buscando completude", arremata Debora.

MULHERES

Num final de uma tarde morna de domingo, Mariana e Debora chegaram juntas ao Teatro Poeira, em Botafogo, no Rio, para duas sessões seguidas. Com casa lotada há três meses –a estreia no Rio foi em janeiro–, "Os Realistas" é o primeiro encontro delas no teatro.

As personagens Júlia e Pônei são, ambas afirmam, o avesso do feminismo em voga. No palco, elas se despem da obrigação contemporânea de ser um homem-fêmea.

"A Júlia é uma mulher-mãe. Não tem lugar. Ela abandona o emprego para cuidar do marido. Mas tem uma fala muito boa dela para o João: 'Seja homem, melhor ainda, seja mulher'. Se eu tivesse ouvido isto antes, teria usado com muitos homens", brinca Mariana.

A personagem de Debora também foge à luta: "A Pônei é a mulher-filha. Não consegue nem encarar a doença do marido, aliena-se de tudo, é cuidada por ele", diz a atriz.

"Tem uma fala dela que revela muito sobre os relacionamentos: 'Então eu e o José alugamos um barco, eu achava que a gente ia se afogar, ele parecia ter um grande segredo e eu fiquei me perguntando se eu também não tinha um. A gente estava rindo e aquilo parecia ser o certo: só estar juntos e não se afogar".

"Os Realistas" é um espetáculo em que as cortinas não descem. Nada se conclui, a não ser que sempre se pode sentar numa varanda, sob um céu estrelado, e tomar uma cerveja. Assim como a vida, a trama de Will Eno não tem linha de chegada.

OS REALISTAS
ONDE Teatro Porto Seguro, alameda Bara?o de Piracicaba, 740, Campos Elíseos, tel. (11) 3226-7300
QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h.; até 29/5
QUANTO R$ 50 (balcão e frisa) e R$ 100 (plateia); nas bilheterias ou no site
CLASSIFICAÇÃO 12 anos


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