Folha de S. Paulo


Uma das principais arquitetas do mundo, Zaha Hadid morre aos 65 anos

Nenhuma mulher fez tanto sucesso no masculino clubinho da arquitetura mundial quanto Zaha Hadid. A arquiteta morreu aos 65 anos nesta quinta-feira de um infarto em Miami, enquanto tratava uma bronquite.

Ela era autora do centro aquático da Olimpíada de Londres, do museu MAXXI, em Roma, da ópera de Guangzhou (Cantão) na China. Projetou dezenas de prédios brancos, sensuais, cheios de curvas, a herdeira de Oscar Niemeyer do século 21, mas com orçamentos e acesso à tecnologia que o mestre carioca (de quem ela era muito fã) jamais imaginou ter.

Nascida em uma família muçulmana da elite iraquiana, ela estudou no Reino Unido e iniciou a carreira trabalhando com Rem Koolhaas, arquiteto e pensador provocador de influência planetária. Com ele, certamente aprendeu a transformar suas aparições em eventos midiáticos e a passar anos desenhando projetos ousados e custosos demais, difíceis de parar em pé, que nunca saíam da prancheta.

Ela passou 26 anos, de 1976 a 2002, sem ver nenhum de seus grandes sonhos virarem realidade. Até o início dos 2000, tinha construído apenas um pequeno pavilhão para a brigada de incêndio da fábrica de móveis de design Vitra, na fronteira da Suíça com a Alemanha, e algumas estruturas temporárias. Foi a primeira mulher a ganhar o prêmio Pritzker, o Nobel da Arquitetura, em 2004, mais como um reconhecimento à sua resiliência, conceitos vivos nas pranchetas e concursos que vencia do que a um sólido portfólio já construído.

Mas a epidemia da arquitetura do espetáculo, iniciada pela catarse turístico-cultural-econômica provocada com o Guggenheim de Bilbao, de Frank Gehry, fez que suas curvas impossíveis e derruba-queixos começassem a ser cada vez mais demandadas por governos e empresas que quisessem impressionar.

As encomendas que seriam, de fato, construídas, se multiplicam: uma belíssima pista de salto de esqui na Áustria, um museu em Cincinatti (EUA), a nova sede da BMW na Alemanha, a ponte-pavilhão de Zaragoza, na Espanha, o parque de design Dongdaemun, em Seul, na Coreia do Sul, e o enorme centro empresarial e comercial Wangjing, em Pequim. Até um prédio residencial no Rio de Janeiro, na avenida Atlântica, em Copacabana, ela projetou (ainda não construído).

Efe
imoveis predio irregular zaha hadid ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Prédio em Seul, na Coréia do Sul, tem estrutura irregular e parque inspirado em tradicional jardim coreano

Hadid também foi criticada, como seus colegas de geração e de sucesso global, por ter virado quase uma franquia. Quem consegue acompanhar pessoalmente, com detalhe e atenção, dezenas de obras simultâneas em diversos continentes? Várias de suas curvas começaram a se repetir, assim como os atrasos e estouros de orçamento de suas criações —por conta disso, e também por um motim promovido pelos arquitetos japoneses, seu projeto para o novo Estádio Olímpico de Tóquio foi cancelado.

Depois de anos cortejando a mídia, estrilou diversas vezes ao vivo ao ser cobrada pelas terríveis condições de trabalho dos operários da construção do principal estádio da Copa de 2022, no Qatar, que ela desenhou. "Arquitetos não têm nada a ver com os operários, não sou eu que estou construindo, não é minha responsabilidade", reclamou, com certa razão, mas zero tato— repetindo o discurso de diversos outros arquitetos que embarcaram em projetos para políticos (ou ditadores) populistas.

Depois de virar capa de revistas de moda e estilo, Zaha Hadid se despede em um momento em que esse caríssimo show de formas e curvas vive um certo ocaso crítico, mas ainda é sucesso de público. Ela levou o encantamento com arquitetura a gente que jamais tinha pensado o que faz uma construção emocionar.


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