Folha de S. Paulo


Arquiteto dinamarquês Jan Gehl sugere análise de ocupação de praças

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(AUSTRALIA & NEW ZEALAND OUT) Professor Jan Gehl, the new urban planner for the City of Sydney, in The Rocks, Sydney, 1 February 2007. SMH Picture by NATALIE BOOG (Photo by Fairfax Media/Fairfax Media via Getty Images) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Jan Gehl em Sidney, Austrália, onde trabalhou como planejador urbano em 2007

Todas as cidades grandes do mundo têm uma companhia de trânsito que estuda os congestionamentos e a quantidade de carros em circulação. "Mas quem analisa que praças estão cheias ou vazias, que calçadas estão lotadas demais e deveriam ser alargadas?", pergunta o urbanista dinamarquês Jan Gehl, 79.

"Esses dados do uso do espaço público deveriam nortear as políticas públicas, inclusive os departamentos de tráfego", diz à Folha.

O arquiteto é um dos nomes deste ano do ciclo Fronteiras do Pensamento, e dará palestras em São Paulo e em Porto Alegre em novembro.

Gehl tem muito em comum com o ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner: não fez fama como arquiteto de prédios vistosos, mas ao planejar a cidade que os rodeia.

Se o curitibano se notabilizou pelos seus corredores e pontos de ônibus, as principais obras de Gehl são calçadões e praças que ele projetou primeiro em Copenhague e depois por cidades como Brighton, Moscou, Cidade do México e Amã. Foi responsável pelo fechamento de pistas para carros na Times Square, em Nova York, e o alargamento da praça no local.

Seu livro "Cidades para Pessoas", de 2010, tornou-se um raro best-seller sobre urbanismo, em que criticava o maior foco do planejamento urbano por décadas, "que era deixar o carro feliz".

Em São Paulo, seu escritório fez oficinas para técnicos municipais para incentivar o uso e a permanência em praças. Em parceria com o escritório de arquitetura paulistano Metro, fez intervenções nos largos de São Francisco e do Paissandu.

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Projeto de revitalização do centro de São Paulo, do escritório Gehl Architects. O projeto do centro testará ideias também na 25 de março, na São João e no largo São Francisco. (Foto: ) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Projeto de revitalização do centro de São Paulo, do escritório Gehl Architects

O projeto mais ambicioso de Gehl em São Paulo, uma grande reforma do Vale do Anhangabaú, está parado. Recebeu críticas por suas áreas molhadas —fontes que poderiam ser acionadas ou não no piso do vale—, mas também por se tratar de um escritório estrangeiro contratado pela prefeitura.

Em entrevista à Folha por telefone, de Copenhague, Gehl diz que o uso de alguns calçadões precisa ser revisto, mas que a paixão pelos carros está "em baixa".

Diz que foi muito influenciado por duas mulheres: a urbanista e jornalista americana Jane Jacobs (1916-2006), que nos anos 1950 e 1960 fez uma crítica dura ao planejamento urbano que separava áreas residenciais e comerciais e priorizava o uso do carro; e sua esposa, a psicóloga Ingrid Mundt, "que me fez pensar mais nas pessoas. A arquitetura vai muito além da escultura".

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REVISAR OS CALÇADÕES

Nos anos 1970, eu era muito fundamentalista com os calçadões. Achava que tinham de ser exclusivos para pedestres. Hoje eu percebi que algumas das melhores ruas são vias compartilhadas, onde o pedestre tem prioridade. Pode ter uma pista para carros e o espaço para pedestres muito maior. Todo calçadão precisa ter rotas de acesso para carros dos moradores e para entregas. Em Londres e em Zurique, há várias ruas assim, onde se dirige mais devagar e se respeita o outro. Se São Paulo mantém calçadões conectados há 40 anos e houve êxodo de escritórios ou moradores, certamente há algo a ser corrigido.

CARROS EM BAIXA

O uso de automóveis pela população mundial teve seu pico em 2009, de acordo com um estudo do Global Cities Database. A tecnologia de mobilidade privada individual não é muito inteligente quando aplicada a cidades grandes. O carro foi criado para a Detroit de 1905, cidade pequena, no Meio-Oeste americano. Não serve para cidades de 10 milhões, 20 milhões de habitantes. Se todos usarem carro, teremos um congestionamento sem fim. Trânsito é como água, ele vai aonde deixam ele passar. Moscou tem fechado ruas e aberto ciclovias, nos últimos três anos. Portland criou belas praças centrais onde antes havia estacionamentos. Fizeram garagens subterrâneas, que fazem o motorista patrocinar belos espaços públicos na superfície. É uma boa troca.

JOVENS

As cidades se tornaram tão atraentes para as pessoas mais jovens —que preferem bicicleta ao carro, tomar café no centro ao subúrbio— que estão encarecendo. Você precisa ter política econômica, não só urbanismo. Em Copenhague, os incorporadores precisam reservar 20% dos novos apartamentos para moradia popular. As pessoas mais pobres não têm como comprar; aluguel subsidiado é importante. Tem gente que é contra melhorias porque "gentrifica" [elitiza áreas baratas]. Isso não faz sentido. Não podemos deixar as ruas feias, sujas e perigosas para que não se valorizem.

COMÉRCIO NOS JARDINS

Estou longe de vocês para saber porque esses moradores se opõem a lojas e ao uso comercial em seus bairros. Mas uma das orientações de qualquer planejador urbano moderno é de misturar os usos. Se você envelhece, se você tem filhos, quer ter comércio por perto que faça a vida mais fácil e sem carro. Não conheço essas pessoas, mas certamente elas passam férias em cidades pelo mundo onde há prédios residenciais e de escritórios com lojas e restaurantes no térreo. Duvido que passem férias em algum lugar parecido a um subúrbio.

EDUCAÇÃO DOS CICLISTAS

Ciclovias devem ter um sistema conectado, que seja contínuo e seguro, e que não tenha que parar no meio de um cruzamento. Em Copenhague, as mulheres são maioria entre os usuários. Crianças e avós usam sem medo. Tem que ser para todos, apesar de, às vezes, o homem jovem não gostar muito de compartilhar. Tem que ter educação no trânsito também para ciclista.


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