Folha de S. Paulo


CRÍTICA

'Tirza' leva a estados de ânimo como numa montanha-russa

Há duas condenações implícitas na leitura de "Tirza", do autor holandês Arnon Grunberg: uma, a de Jörgen Hofmeester, editor de livros estrangeiros de meia-idade, é a de se ver involucrado em situações que o obrigam a ouvir verdades a seu respeito que ele preferiria desconhecer; outra, a do leitor, condenado a perceber a "realidade" do relato a partir da psiquê obscura de Hofmeester, titubeante e marcadamente obstinada por suas convicções, quase sempre derruídas na medida em que se chocam com a percepção alheia.

Por meio de hábil manejo do discurso indireto livre intercalado com diálogos brutais, Grunberg conduz o leitor a estados de ânimo díspares como em uma montanha-russa, com especial atenção ao sadismo do espectador, cuja soma, ao final das contas, resulta em tristeza irresoluta diante do fracasso do gênero humano sob a ótica da falência moral masculina.

Sebastiano Tomada/Getty Images
NEW YORK, NY - NOVEMBER 18: Author Arnon Grunberg connected to a computer that will measure brain activity during a creativity session. He was born in Amsterdam in 1971. He lives and works in New York City. November 18, 2013. (Photo by Sebastiano Tomada/Getty Images) FOTO COM CUSTO- ILUSTRADA REPORTER FABIO VITOR ORG XMIT: 522466661 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O autor Arnon Grunberg (com eletrodos na cabeça), que fez experiências em hospitais psiquiátricos

É a véspera da festa de formatura de Tirza, a caçula na qual Hofmeester deposita todas as pressões disfarçadas de afeto (ambíguo, para não dizer suspeito). Presentes no sobrado familiar, estão a ex-mulher que regressou de surpresa (após 3 anos sem dar notícias, ainda lúbrica e protagonizadora de barracos) e Ibi, a primogênita (após ser flagrada aos 15 anos fazendo sexo com o inquilino do piso superior, fugiu para a França), além do namorado marroquino de Tirza (segundo seu desconfiado sogro, sósia do terrorista Mohammed Atta).

Na ocasião do flagra, Ibi foi a primeira a chamar o pai de "imbecil". Testemunhar que a filha já transava (apesar de ainda não ter peitos) talvez não tenha sido o pior, e sim deparar-se com a evidência da própria falha. Com Tirza e a ex não é diferente: embates entre corpos e desejos femininos que vicejam contra certezas que se esboroam diante da inexorabilidade do tempo.

Afim à obra do norueguês Karl Ove Knausgård, "Tirza" se apóia nos efeitos que a mera acumulação factual de uma vida pode gerar, resultando em suficientes absurdos e incomensurável horror.

TIRZA
AUTOR Arnon Grunberg
EDITORA Rádio Londres
QUANTO R$ 53,50 (464 págs.)


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