Folha de S. Paulo


Filme narra reportagem feita às pressas que arruinou jornalistas

Trailer

Mary Mapes, ex-produtora da CBS News, esteve no Museum of Modern Art da rua West 53 no ano passado para assistir à première do filme "Conspiração e Poder". Autora do livro que inspirou o filme, Mapes teve uma recepção hollywoodiana do público presente e mandou um beijo ao diretor e roteirista do filme, James Vanderbilt.

A recepção calorosa foi muito diferente do clima que Mapes enfrentou ali perto 11 anos antes, na sede da CBS em Manhattan, onde aconteceu a história relatada no longa.

Na época, Mapes teve de explicar a uma comissão independente contratada pela CBS como tinha dado errado uma reportagem que ela produzira para o programa "60 Minutes 2".

O filme trata do trecho produzido por Mapes, baseado em documentos que sugeriram que o então presidente George W. Bush teria recebido tratamento preferencial quando prestou serviço na Guarda Nacional no início dos anos 1970. Mas, dias depois de o programa ir ao ar, os documentos foram sujeitos a análises impiedosas, e em duas semanas, e no calor da eleição presidencial de 2004, a CBS disse que não podia confirmar sua autenticidade.

Divulgação
Cena de
Cate Blanchett como Mapes e Robert Redford como Dan Rather em "Conspiração e Poder"

A reportagem caiu por terra, e a mesma coisa aconteceu com a equipe que a produziu. A CBS pediu desculpas, três produtores se demitiram, Mapes foi mandada embora e nunca mais trabalharia com telejornalismo. Dois meses depois de a matéria ir ao ar, o âncora do "CBS Evening News" Dan Rather, correspondente que apresentou o trecho da reportagem, anunciou sua aposentadoria. Meses mais tarde o "60 Minutes 2" foi cancelado.

Foi um dos primeiros exemplos do poder da internet e da informação que ela disponibiliza prontamente, que possibilitou uma revisão instantânea da reportagem produzida por uma instituição famosa. Desde então, o episódio foi visto como assunto encerrado, pelo menos por alguns setores. Teria sido um caso de falha jornalística.

Agora o filme, que tem Cate Blanchett como Mapes e Robert Redford como Dan Rather, reabre uma discussão sobre uma controvérsia jornalística que foi esquecida –vai reabri-la especialmente por ser baseado no ponto de vista de Mapes.

Num debate do "New York Times", Robert Redford disse a respeito de Rather e Mapes: "Eles tiveram que aguentar calados durante anos e anos. Para mim foi muito atraente a ideia de participar de um projeto que abriria a discussão e lhes daria uma chance merecida de se defenderem."

As posições de cada lado são claras: a CBS disse que não podia comprovar a veracidade dos documentos; logo, a reportagem era falsa. Rather e Mapes alegam que ninguém pode provar que os documentos sejam falsificados.

ULTRAJE

Andrew Heyward, o ex-presidente da CBS News, não foi retratado positivamente no livro de Mapes. Em entrevista telefônica, expressou ultraje com o projeto.

"Ele pega os responsáveis pelo pior constrangimento da história da CBS News, algo que na época representou um golpe doloroso contra a credibilidade de uma organização de imprensa altamente respeitada, e os converte em mártires e heróis. Apenas Hollywood poderia criar algo assim."

Em entrevista telefônica breve, Dan Rather disse: "Espero apenas que as pessoas assistam ao filme e formem sua própria opinião".

Os dois lados concordam que a reportagem foi produzida às pressas. "60 Minutes 2" ia ao ar nas noites de quarta-feira. A reportagem foi ao ar dias apenas depois de a CBS receber os documentos, em 8 de setembro de 2004.

Pouco depois disso começaram a sair acusações, principalmente em sites de direita na internet, de que os documentos seriam falsificados.

"O jornalismo não se baseia na afirmação, mas na verificação", disse Heyward. "Não dá para converter alguma coisa em realidade apenas porque você quer que seja. No caso em pauta, os fatos fundamentais ""os documentos–são contestados a tal ponto que há muitas evidências de que talvez não sejam verdadeiros."

INTERNET

O filme segue fielmente a narração feita por Mapes e glamoriza o trabalho de reportagem feito por sua equipe. Vanderbilt disse que não quis impor um ponto de vista específico no filme, mas apenas levantar questionamentos.

"Como cineasta", falou, "não estou interessado em fazer um novo julgamento do incidente. O que me interessa é que foi uma história fascinante, e relatá-la através do olhar desses personagens foi a maneira mais interessante de mergulhar nela."

Se há uma coisa sobre a qual concordam todos os lados, é que não poderiam ter previsto como a reportagem seria desacreditada.

"Foi a primeira vez que a internet realmente se manifestou e afetou uma reportagem com essa rapidez e força", disse Vanderbilt. "A CBS, Dan e Mary estavam totalmente despreparados para a reação. Isso aconteceu há apenas 11 anos, mas hoje é algo que faz parte do nosso dia a dia."


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