Folha de S. Paulo


Crise força museus a cortar mostras e aumentar duração de exposições

Renato Luiz Ferreira/Folhapress
INHOTIM, MG, 06.07.2012: MUSEU-MG - Ensaio fotográfico no Instituto Inhotim em Inhotim (MG). O local começou a ser idealizado pelo empresário mineiro Bernardo de Mello Paz a partir de meados da década de 1980. A propriedade privada se transformou com o tempo, tornando-se um lugar singular, com um dos mais relevantes acervos de arte contemporânea do mundo e uma coleção botânica que reúne espécies raras e de todos os continentes. Os acervos são mobilizados para o desenvolvimento de atividades educativas e sociais para públicos de faixas etárias distintas. (Foto: Renato Luiz Ferreira/Folhapress)LEGENDA DO JORNALGaleria de Adriana Varejão no Instituto Inhotim, em Minas
Galeria de Adriana Varejão no Instituto Inhotim, em Minas

Longe da era das mostras arrasa-quarteirão que marcaram os últimos anos, museus no país têm mantido um certo silêncio em relação aos planos para este ano de recessão. Não para fazer segredo, mas por causa da incerteza que domina o cenário atual.

Enquanto a crise econômica corrói instituições culturais por dentro, levando a demissões em quase todos os museus do país, o lado mais visível desses tempos de aperto financeiro começa a dar as caras agora, com o início do que seria a temporada de grandes exposições e a época da feira SP-Arte, daqui duas semanas.

Nada, no calendário deste ano, tem o apelo das megamostras do passado, e nenhuma inauguração de peso está marcada para a semana da feira, que costuma turbinar o circuito das artes visuais no país.

Ou seja, este parece ser um momento em que a crise entra em cartaz nos museus, embora outras áreas da cultura mantenham investimentos -uma nova sala de teatro será inaugurada pelo Santander em São Paulo (leia na pág. C3), e festivais de música ainda atraem multidões, como o Lollapalooza, que reuniu 100 mil pessoas neste mês na capital paulista.

Mesmo com enorme potencial de público, uma das mostras mais aguardadas do ano, a retrospectiva de Picasso marcada para maio no Instituto Tomie Ohtake está ameaçada desde que o Bradesco, um de seus principais patrocinadores, desistiu do negócio -procurado, o banco não quis comentar a decisão.

Museus importantes no cenário nacional, como o Instituto Inhotim, nos arredores de Belo Horizonte, e a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, por exemplo, não puderam nem anunciar a programação deste ano, já que não sabem o que será possível fazer com bem menos recursos.

Nos últimos dois anos, o Inhotim demitiu 300 de seus mil funcionários, entre eles o diretor artístico da instituição, Rodrigo Moura, que deixou o cargo em janeiro. Projetos de vulto como os novos pavilhões com obras dos artistas Anish Kapoor, Ernesto Neto, Nuno Ramos e Olafur Eliasson estão, por enquanto, suspensos.

"De uma maneira geral, a gente tem visto uma queda nos patrocínios. Um patrocinador como a Vale, que dava R$ 4 milhões, agora entrou com R$ 1 milhão", diz Antônio Grassi, diretor executivo do Inhotim. "A gente está numa luta para ver o que consegue."

Em Porto Alegre, a Fundação Iberê Camargo, que recebe agora uma mostra do escultor Sérgio Camargo, tem só mais uma exposição já confirmada para este ano e cancelou seus planos de levar obras do pintor que dá nome ao museu para exposições na Europa.

"É uma crise muito forte", diz Fábio Coutinho, diretor da fundação gaúcha. "Todo mundo está se reorganizando."

Mesmo distantes no mapa, tanto o Inhotim quanto o Iberê Camargo têm um inimigo em comum -a retração econômica na China, que fez despencar importações de minério de ferro, acertou em cheio o bolso de empresas como Vale, Itaminas e Gerdau.

Enquanto as duas primeiras respondem por boa parte do orçamento do Inhotim, sendo a Itaminas do próprio dono do museu, o empresário Bernardo Paz, a Gerdau aos poucos vem reduzindo sua participação no cenário gaúcho, cortando repasses incentivados ao Iberê Camargo e à Bienal do Mercosul, pilares da cena cultural em Porto Alegre.

A metalúrgica, que repassou R$ 4,1 milhões via Lei Rouanet ao museu há dois anos, entrou só com R$ 49 mil no ano passado e decidiu não patrocinar a Bienal, que pode até mesmo deixar de existir.

Em nota, a Gerdau afirmou que "seguirá apoiando essas iniciativas", mas "esclarece que vem adequando seus aportes em projetos culturais em razão do difícil cenário".

De 2014 para 2015, aliás, o valor total movimentado pela Lei Rouanet caiu de R$ 1,3 bilhão para R$ 1,2 bilhão, inaugurando uma tendência de retração que promete se agravar.

"O cenário vai ser pior este ano", diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural. "Nos últimos anos, a cultura se pautou pela espetacularização em todas as áreas. Mas o lado bom da crise pode ser uma volta à essência das coisas, ao que é relevante em contraponto ao que faz girar as catracas."

Marcelo Curia/Folhapress
PORTO ALEGRE, RS, BRASIL, 17-04-2014: Fundação Iberê Camargo, em homenagem ao artista em Porto Alegre (RS). (Foto: Marcelo Curia/Folhapress)
Fundação Iberê Camargo

SOLUÇÃO CASEIRA

Nos maiores museus do país, esse retorno significa voltar os olhos para a própria coleção. O Museu de Arte Moderna paulistano, por exemplo, abriu seu calendário deste ano com uma mostra de peças do acervo organizada pelo curador do museu, Felipe Chaimovich. Isso depois de ter prorrogado sua mostra anterior, o Panorama da Arte Brasileira.

Tanto o MAM quanto o Masp, a Pinacoteca e a Fundação Iberê Camargo também adotaram a estratégia de esticar a duração de suas mostras para tapar possíveis buracos na agenda e vão dar especial atenção a obras que já têm à mão em vez de receber mostras especiais vindas de fora.

"É uma coisa natural", diz Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp, sobre a decisão de realizar exposições mais longas. "Isso responde também por uma economia de recursos, mas a gente prefere que essas exposições tenham um tempo mais ampliado."

Na esfera pública, museus federais também sofrem com o aperto nas contas do governo. Instituições como o Museu Lasar Segall, o Museu da Chácara do Céu, o Museu do Açude e o Museu da República, no Rio, chegaram a atrasar pagamentos a fornecedores -o Instituto Brasileiro de Museus, órgão do Ministério da Cultura responsável por eles, encerrou o ano passado devendo R$ 10 milhões.

"Não tenho ideia dos orçamentos", diz Jorge Schwartz, diretor do Lasar Segall. "Os próximos anos vão ser bem difíceis, mas não pretendo sair do museu. Isso foi decidido na última sessão de análise."

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ROTEIRO DO APERTO

INSTITUTO TOMIE OHTAKE
Mostra de Pablo Picasso marcada para maio está ameaçada desde que o Bradesco desistiu de patrocinar o evento no centro cultural.

FUNDAÇÃO IBERÊ CAMARGO
Museu em Porto Alegre não anunciou programação para este ano e cancelou projeto de levar obras do acervo para exposições na Europa. Dependente de verbas da Gerdau, prejudicada pela crise na China, o museu vem revendo seu calendário.

INSTITUTO INHOTIM
Megamuseu no interior mineiro demitiu 300 funcionários e não anunciou programação para este ano.

MAM-SP
Diminuiu de oito para cinco o número de exposições anuais e fará exposições com obras do próprio acervo para economizar recursos, além de aumentar a duração de suas mostras para tapar buracos.

MASP
Também decidiu ampliar duração de mostras e terá acervo como foco principal.

PINACOTECA
Outro museu que aderiu à estratégia de esticar duração de mostras para poupar.

MUSEU LASAR SEGALL
Recém-aberto depois de uma reforma, o museu atrasou pagamentos e ainda não tem detalhes do orçamento atual.

BIENAL DO MERCOSUL
Depois de uma grave crise em sua última edição, que levou à demissão em massa de curadores que se opuseram a cortes de obras, a mostra em Porto Alegre tem futuro incerto. O evento é patrocinado em grande parte pela Gerdau, que decidiu reduzir seu apoio a projetos culturais.

PARQUE LAGE E CASA FRANÇA-BRASIL
A escola de artes visuais e o centro cultural, ambos locais de peso na cena cultural do Rio, tiveram anulado o contrato do governo com a organização social responsável por eles. Já em crise, as duas instituições, que chegaram a demitir funcionários, devem voltar endividadas para a alçada do governo estadual, que estuda ainda como será a gestão.


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